Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

As Pinturas Rupestres Não Sabem Voar

Na Serra de Passos / Santa Comba / Garraia existem pinturas rupestres esquemáticas, com 7 mil anos. São a maior concentração de arte rupestre, deste género, na Península Ibérica. Este conjunto de painéis, espalhado pela Serra, pertence aos municípios de Mirandela, Murça e Valpaços.

A Câmara Municipal de Mirandela, na sua área territorial da Serra, autorizou a instalação de um parque eólico dentro da ZEP - Zona Especial de Proteção, onde existe uma enorme quantidade de painéis de pintura rupestre esquemática (mais de 100, e a Serra ainda não está toda estudada).

Que implicações pode acarretar a instalação de um parque eólico, nesta Serra?

- Em primeiro lugar, surge a transformação da paisagem cultural e natural, que funciona como uma unicidade, com a intrusão das 6 torres eólicas de 170 metros de altura, ou seja, o equivalente a prédios de 50 andares. Alguém consegue aceitar que se coloquem eólicas dentro do espaço restrito de um monumento nacional? Ou outro exemplo: dentro de um campo de futebol? Não, ninguém as quer lá porque estão fora do contexto. O mesmo acontece aqui na Serra. As energias verdes são boas e todos devemos lutar pela redução da pegada ecológica, mas há que saber onde colocar as eólicas. Não podemos defender as energias verdes e por outro lado provocar estragos irreparáveis. É idílico querer "sol na eira e chuva no nabal" em simultâneo;

- Em segundo, para se proceder à instalação das torres, é necessário rasgar caminhos de acesso e maquinaria pesada em movimento;

- Para fazer as fundações, tem de se dinamitar o solo e subsolo e escavar profundamente uma área enorme. O uso de explosivos na proximidade de bens arqueológicos, desta sensibilidade, potencia o risco de alguns painéis com pinturas partirem e despencarem. Ao escavar em profundidade o subsolo, vai provocar desvios do curso dos aquíferos;

- Os Arqueólogos irão continuar os trabalhos de investigação na Serra, com ou sem parque eólico, com o objetivo de preparar o espaço para ser visitado e fruído em pleno por quem o queira visitar; 

- Ninguém estará interessado em visitar uma zona onde coabitam eólicas e património cultural, com a agravante do ruído produzido pelas pás dos aerogeradores;

- Sendo evidente que irão ocorrer estragos irreparáveis ao nível do património cultural, não é de menosprezar a fauna e a flora. Todo o ecossistema mudará;

- Se alguém almeja que, depois deste DESASTRE conscientemente consentido pela Câmara Municipal de Mirandela, ainda restam condições para uma candidatura à UNESCO, advirto que as hipóteses serão ZERO.

Devíamos aprender com o processo de Vila Nova de Foz Côa, aquando da descoberta das gravuras rupestres e que conduziu à classificação de Património Cultural Material da UNESCO.

A localidade de Vila Nova de Foz Côa saiu do esquecimento e ganhou a todos os níveis, ao não avançar com a construção da barragem. Hoje, é uma terra muito visitada com enorme impacto na economia local.

Se a Presidente da Câmara Municipal de Mirandela não for capaz de compreender o que está em causa, com a construção do parque eólico na Serra, não será por falta de informação - os técnicos arqueólogos já lhe prestaram todos os esclarecimentos e têm feito imensos esforços para realizarem debates públicos com o intuito de esclarecerem os interessados; o Presidente da IFRAO - International Federation of Rock Art Organisations (Federação Internacional de Organizações de Arte Rupestre) escreveu ao Presidente da Assembleia Municipal de Mirandela para lhe expor o que está em causa na Serra; foi feita uma reunião extraordinária da Assembleia Municipal, onde foram ouvidos os Arqueólogos que estão a trabalhar na Serra, os deputados, presidentes das Juntas de Freguesia e munícipes; o movimento cívico "Juntos Pela Serra de Passos Sem Ventoinhas" tem sido incansável na sua página de Facebook, prestando todos os esclarecimentos aos intervenientes e levando gente a visitar a serra.  

Há uma cegueira instalada na Câmara Municipal de Mirandela, que poderá deitar tudo a perder; ou será casmurrice?

Quanto à oposição, no seu todo... Não conseguem fazer mais e melhor do que isso?

As pinturas rupestres não sabem voar, mas nós, seres humanos munidos de sapiência, devemos usar o intelecto para fazer com que a destruição da Serra pare, antes que seja tarde demais. Este conjunto de ARTE RUPESTRE não é de Mirandela, Murça ou Valpaços, é Património da Humanidade. Cabe a cada um de nós zelar pela sua defesa, preservação e divulgação, enquanto exercício de cidadania.


© Teresa do Amparo Ferreira, 16-03-2023 
Natural de Torre de Dona Chama,
Mirandela, Bragança, Portugal.

Foto de outro concelho para exemplificar o que irá acontecer.


Fotos da Serra de Passos / Santa Comba / Garraia - Mirandela







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