Padre Victor, 37 anos, ar de galã, está a modernizar a celebração da missa nas velhas aldeias de Torre de Moncorvo. São 20 paróquias dispersas por 532 km2.

Não é o que se espera ver vir da boca de um padre, sobretudo quando ele já está de paramentos, um pé já vai no adro, a missa quase, quase a começar. Foi quando um paroquiano corado enfiou a cabeça na sacristia e atirou lá para dentro, não sem um certo à-vontade, \"Então senhor padre, e logo, como é que é?\". Aí, o padre, que alinhava quatro acólitos à sua frente, e compunha nos ombros a alva do mais pequeno, mais curta de um lado do que de outro, mirou de relance o paroquiano, subiu o olhar e soltou, como quem antecipa já o júbilo, um sonoro \"Ai!... Aguenta coração!\".

Os presentes sorriram todos, agitaram-se três acólitos, o paroquiano até se riu, e aquele momento rubro desvaneceu-se graciosamente ali - mas não antes de Melanie, acólita e única menina presente, lançar um falso olhar de censura de quem diz que ali não será o melhor sítio para prognósticos de futebol. Não foi um momento desusado para os paroquianos do padre Victor, nascido em 1975, que há três anos diz missa na igreja medieval da Lousa, aldeia do alto da Torre de Moncorvo, Bragança, que tem oito mil habitantes, menos de metade dos que tinha em 1960, e 20 paróquias dispersas num raio de 532 km2.

O padre já vai na homilia, explica que o bom pastor conhece as ovelhas pelo nome, e agora parou e pergunta à assembleia sentada: \"Acham que Deus valoriza mais as virtudes ou os nossos defeitos?\".

Não é retórica, eles sabem, ele espera, às vezes ele até gosta de andar pelo meio deles, no meio da missa, a perguntar, eles respondem \"virtuuuudes!\", ele apanha a palavra no ar e conclui a fiada: \"Deus só quer saber das nossas qualidades. E só quer saber do amanhã, o que fizemos ontem, a Ele, não interessa\". A missa tem 70 presentes, dura 29 minutos, e, tirando os quatro acólitos, não há uma criança à vista - viu-se o mesmo nas missas de Castedo e de Vide. Austelina, nascida, criada e metida na Lousa há 76 anos, explica porquê: \"Aqui já fomos mais de mil, agora sobram 300. Uns emigram (e são muitos), outros morrem (e são menos) e não há ninguém, ninguém a nascer\".

Chegado a Moncorvo há 10 anos para professor de moral, o padre Victor logo fez fama de moderno, com cantorias, cabelo escorrido comprido, camisa aberta dois botões, sempre em condução veloz, a mesma em que segue agora, serra abaixo, a acelerar o seu Insígnia. \"O meu domingo: digo três missas, almoço com os meus pais em Castro d Aire, tiro a tarde e à noite janto com padres colegas do seminário de Lamego\", diz o prelado, que mexe no rádio e põe mais alto \"Cemeteries of London\" dos Coldplay. \"Gosto muito, vi-os no Dragão. Também vou ver Killers ao Alive, e Blind Zero ao Hard Club\". Não é um padre normal, padre Victor, que foi notícia há quatro anos porque compÎs, gravou e editou um CD de pop/rock (\"Palavras\", distribuição EMI) \"e que teve duas canções na novela \"Sentimentos\" da TVI!\".

Faz tudo parte da pregação, \"é evangelizar pela música\", o projecto não parou: \"Já estou a gravar o segundo CD, no Porto, sai em 2014, ainda é segredo, vai voltar a surpreender\". Sem surpresa, anteontem à noite o coração do Padre Victor aguentou: o seu Benfica venceu o Sporting por 2-0. Ele ri muito, dá um recado, ri mais: \"Pronto, diga lá aos seus amigos do Porto que agora já não vão lá nem com um milagre\".



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Factos de dezembro de 2006