Em tempo de Quaresma, a vila de Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, mantém viva a tradição da procissão dos "Sete Passos", um ritual tido como "único" em todo o país.

Também conhecido como "Encomendação da Almas", o ritual repete-se todas as sextas-feiras do período quaresmal, mas a última noite, na Sexta-feira Santa, é a mais esperada.

Junto à antiga capela de Misericórdia, um grupo de homens que habitualmente integra a função sublinha à agência Lusa que este ritual mantém fidelidade à origem "medieval", mudando apenas alguns pormenores.

Um dos figurantes e membro do atual grupo que realiza a procissão dos "Sete Passos" é José Martins, de 71 anos, que encara a sua participação como uma promessa de "fé e sacrifício".

"Vivemos isto com muita intensidade", observa.

Acrescenta que o grupo envolvido na "Encomendação da Almas" "até está maior, mas nas ruas, durante o ritual, há menos público. "Vai tudo embora para fora. Já não é como antigamente", desabafa.

Já Manuel Carrapatoso, de 75 anos de idade, conta que "herdou" o seu lugar na procissão do seu pai.

"O meu pai já fazia parte do grupo secreto que organizava a procissão e eu aprendi os cânticos. Aprendi também a olhar para quem está ao lado e saber o que fazer, no momento certo", observa.

António Morgado, com 34 anos, é um dos elementos mais novos do grupo e dedica-se ao estudo desta forma de "encomendar as almas". À Lusa, explica que o percurso maior - o que acontece na noite de sexta-feira santa - tem início junto à porta principal da Igreja Matriz e demora cerca duas horas e meia a fazer.

"Quando o relógio da torre heptagonal assinala o primeiro batimento da meia-noite, a iluminação pública da vila é apagada, ficando todo o percurso escuro como o breu. Dá-se então início à procissão que vai percorrer as principais ruas da localidade", indica.

O ritual envolve também um grupo coral que entoa "um cântico dolente e penetrante", em português e latim, apenas junto a igrejas e encruzilhadas.

Segundo os promotores desta iniciativa, a figura principal de toda a procissão é a "Velhinha", uma personagem vestida de negro, que percorre todo o trajeto curvada, com "cajado" numa mão e com uma lanterna alimentada a azeite na outra.

Elemento de destaque neste ritual é igualmente uma bota com vinho, "que significa o sangue de Cristo derramado".

Também marcam o ritual os sons das "emblemáticas" peças de ferro, presas à perna de duas pessoas e que são arrastadas pela calçada.

"Tornam a via-sacra ainda mais penitente", vincam os envolvidos no ritual.

"Há períodos na procissão em que as pessoas se aproximam da velhinha com humildade, em sinal de penitência. E ela dá de beber a quem demonstra mais respeito e arrependimento", explicam.

A identidade de quem encarna tal personagem é sempre motivo de curiosidade, já que não é fácil saber de quem se trata.

Segundo António Morgado, uma das marcas distintivas do ritual de Sexta-feira Santa face aos demais é que, "por uma única vez, se junta à 'Encomendação da Almas' um grupo de mulheres conhecidas como Três-Marias".

Quanto à designação "Sete Passos", "é entendida como o compasso, visto que toda a procissão é efetuada ao ritmo de um compasso de sete passos, bem medidos e compassados", observam os participantes, que no seu total não ultrapassam as duas dezenas.



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