Viticultores do Douro preparam uma vindima “de incertezas” por causa da seca e do calor intenso que vão provocar uma quebra de produção que culmina um “ano desafiante”, também pelo aumento dos preços e pela falta de matérias-primas.

“Um ano muito, muito desafiante. Saímos de uma pandemia, depois temos o problema da guerra [Ucrânia] e, presentemente, o problema da seca que é o que nos está a fazer mais danos”, afirmou à agência Lusa Abraão Nóbrega, viticultor em Souto Maior, concelho de Sabrosa.

No Douro verificou-se uma “boa nascença”, com muitos cachos nas videiras e, em termos sanitários, o ano também correu bem, com poucas doenças. Mas 2022 fica marcado pela falta de água e pelo calor intenso que se fez sentir em julho e, agora, no início de agosto.

Abraão Nóbrega descreveu uma vinha em que as “uvas não desenvolveram, em que os bagos estão a pintar, a mudar de cor, mas deixaram de crescer”. A uva ficou “miudinha”. 

“E ainda estamos no início de agosto. Daqui até à vindima, se não chove, vai ser um ano muito difícil em termos de produção”, afirmou, perspetivando uma quebra “para cima de 30%”.

Mas, apontou, o problema poderá também estender-se ao próximo ano, porque “há videiras que estão muito tremidas e que podem secar”.

As dificuldades sentem-se na vinha, mas não só. “No olival também está a cair a azeitona”, acrescentou Abraão Nóbrega que, aos 62 anos, não se lembra de um ano assim.

Este é também o ano em que “tudo aumentou”, desde os combustíveis aos produtos fitofármacos, adubos ou o preço da energia.

“A produção menos, a qualidade a ver vamos e, depois, com os produtos que aumentaram, não é fácil ser-se lavrador”, desabafou.   

Os olhos dos agricultores colam-se ao céu à espera do “milagre da chuva”, mas as previsões não são animadoras.  

Manuel Vilela, viticultor com 12,5 hectares em Cheires, Alijó, usou o protetor solar nas videiras (caulino) e até tem usado o pulverizador do trator para projetar água sobre as videiras, mas, segundo disse, não conseguiu resolver o problema.

“Tenho videiras completamente secas, o inverno foi rigoroso no sentido de que não choveu, a terra não armazenou água, as uvas chegaram a um ponto que estão estagnadas, não se desenvolvem”, salientou. 

Este é, na sua opinião, um ano para “registar e ficar de aviso”.

Manuel Vilela contou que os viticultores “andam numa luta desesperada” que se vai prolongar até à vindima. “Vai ser uma miséria, as uvas não vão pesar nada. Mas o que me preocupa já nem são as uvas, é a própria planta que está a ficar derrotada”, referiu.

Também Celeste Marques, da Adega Cooperativa de Sabrosa, falou num ano “desafiante” que vai culminar com uma “vindima de incertezas”, quer “em quantidade, quer em qualidade”.

 “Estávamos a recuperar da pandemia de covid-19, depois veio a guerra e o aumento de preços, a falta de materiais como garrafas e rótulos”, apontou, referindo que, nas últimas semanas, alguns dos sócios desta cooperativa têm relatado situações de escaldão (em que o bago fica queimado) devido ao calor.

O Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) prevê que a produção de vinho deverá baixar em Portugal cerca de 9% face à campanha anterior, com quebras expectáveis na Região Demarcada do Douro de 20%.

José Alexandre Carvalho, da delegação de Sabrosa da Associação de Agricultores de Trás-os-Montes, aponta para “uma quebra de produção muito acentuada” e reclama medidas como a possibilidade de rega, agora apenas permitida em situações extremas e com autorização do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), alertas para a aplicação do protetor solar, bem como uma ajuda financeira pela quebra de produção devido à seca. 

“Estamos à beira de um drama social. Se o agricultor não recebe o dinheiro de uvas, também não vai fazer tratamentos, não vai comprar produtos para aplicar na vinha (...). Tudo isto vai contribuir para muita pobreza aqui no Douro”, apontou, salientando que o impacto se sente mais entre os médios e pequenos produtores.

Na região já há também viticultores com receio de não terem produção suficiente para cumprir o benefício, ou seja, a quantidade de mosto que podem transformar em vinho do Porto e, por isso, José Alexandre Carvalho defendeu, nestes casos, que poderia haver uma transferência desse “crédito” para o próximo ano.

Nesta vindima a Região Demarcada do Douro vai transformar um total de 116 mil pipas de mosto em vinho do Porto, mais 12 mil do que no ano anterior.

Na adega de Sabrosa ultimam-se os preparativos para o arranque da vindima, cujo início será determinado após os testes de maturação nas vinhas, mas, segundo Celeste Marques, nesta cooperativa também se estão a colocar painéis solares para colmatar os custos com a energia e introduzem-se novas formas de poupar água.

Depois, durante a vindima, acrescentar-se-ão outras dificuldades para os produtores do Douro, nomeadamente o aumento do preço da aguardente vínica, usada para a produção de vinho do Porto, e também a falta de mão-de-obra para o corte das uvas.

Paula Lima, da agência Lusa



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