Com a alegria natural de quem tem estado ausente por muito tempo, os emigrantes chegam a Portugal para umas férias apetitosas e merecidas durante o Verão. Felizes e triunfantes, vão chegando para matar saudades dos familiares e amigos.

São recebidos calorosamente pelos seus conterrâneos, que não tiveram que emigrar. Uns por sorte, outros por desgraça.

Nos locais mais frequentados, não raras vezes se ouve falar o inglês com sotaque português. São os excessos de uma vontade que se quer impôr à admiração de quem os ouve. compreende-se a glória alcançada por um punhado de dólares, ganhos honradamente por quem um dia teve de deixar a sua terra e abalar em busca de algo mais do que a sobrevivência que lhe era imposta no seu país.

Não havia, então, qualquer manifestação de pena por parte dos senhores que ditavam a nossa sorte, ao ver-nos partir. E muitos partiam ilegalmente, arrostando consigo todos os imponderáveis que a ilegalidade prevê. Mas saíam corajosamente numa atitude de vingança contra os mandões, os senhores da situação.

Hoje, são esses senhores os primeiros a procurar manter contacto com os emigrantes para satisfazerem ambições políticas ou comerciais. Chegam a promover festas, as tão proclamadas "festas do emigrante", onde há o comes-e-bebes grátis, e os discursos de circunstância, que muitas vezes não passam de infelizes e pretensas manifestações de carinho.

Não contentes com as festas, lembraram-se agora de erigir um monumento ao emigrante, como se isso fosse motivo de glória para os que sabem pensar.

Não se esqueçam os meus colegas de aventura, propensos a tomar como lisonja o que não passa de um ultraje, que uma estátua aos emigrantes é o símbolo da miséria e do ostracismo por que passámos e que os senhores querem perpetuar, abusando da incauta inocência de quem neles acredita.

Caldas da Rainha é, nesta altura, a cidade eleita para um tal boneco a que chamam estátua. Muitos dos que me lêem agora passaram-me pelas mãos, quando eu era responsável pelo departamento da emigração da Câmara das Caldas. A esses e aos que emigraram depois apelo ao seu bom-senso para que não se deixem levar por quem só nos conheceu agora. É que há prioridades que nem são discutidas com os emigrantes, e são de longe mais urgentes e úteis do que uma estátua para "inglês ver". Por que razão é que nunca se fala de projec-tos realistas e concretos que venham satisfazer as prementes necessidades dos emigrantes idosos?

Em vez de uma estátua, que custa milhares de contos, por que não a Casa do Emigrante, para assistir aos idosos que se vêem sós, sem família que os ampare e sem assistência social, em Portugal, que os acolha e lhes proporcione a segurança e tranquilidade que na velhice tanto carecem?

Sejamos realistas. Enquanto tentam engodar-nos com projectos de fachada, que mais humilham do que enobrecem, não conseguiremos libertar-nos dos vende-dores de banalidades, sempre dispostos a subestimarem a nossa inteligência para entender o que os motiva.

A falta de condições de vida e o desrespeito pelo ser humano fizeram de nós aventureiros de mão estendida. Não somos heróis. Só procurámos noutros países trabalho justamente remunerado e a dignidade que nos era negada no nosso país. Não precisamos que os iluminados nos venham lembrar o que passámos, erigindo-nos uma estátua para que não nos possamos esquecer.



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