Emigração cria janela de oportunidades para as empresas portuguesas
Já se ouve dizer muitas vezes que os portugueses estão de novo a emigrar e em força, mas enquanto muitos pensam que o fenómeno é marginal, Manuel Beja, conselheiro das comunidades portuguesas afirma que os números são comparáveis aos de 1960. Só na década 1998/2008 terão emigrado 700 mil portugueses para os destinos tradicionais dos anos 60, segundo os números da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades. Não deixa de ser curioso também o facto das empresas portuguesas cada vez prestarem mais atenção (ver caixas) a este mercado que não pára de crescer e com hábitos de consumo elevados e sofisticados.

Embora se possam dar nomes diferentes às coisas, a verdade é que actualmente se emigra por “tudo e por nada”. O facto de sucessivas gerações de estudantes universitários terem feito o programa “Erasmus” que os leva a fazer um semestre, ou até mesmo um ano lectivo do curso numa universidade estrangeira, conduz a que mal se terminem os estudos haja uma facilidade e sobretudo uma vontade muito maior de partir em busca de um local melhor para viver, ou de procurar um trabalho mais bem remunerado, ou simplesmente viver uma aventura diferente.
Andreia Carvalho, é disto um exemplo. Mudou-se há dois anos e meio para Barcelona onde está a concluir um doutoramento no Parque de Investigação Biomédica daquela cidade. Licenciada em Química aplicada pela universidade do Porto, o estrangeiro foi sempre o seu objectivo e por isso visitou diversos institutos em Espanha, Reino Unidos e Estados Unidos, acabando por escolher Barcelona porque como a própria diz “ali se respira uma atmosfera bastante mais internacional”.
A nova vaga de emigração portuguesa é basicamente protagonizada por jovens com apreciável formação académica, técnica ou até mesmo profissional, alguns partindo em busca de uma situação profissional mais promissora, outros, mais velhos, e já com família, mas incapazes de fazer face às suas obrigações financeiras num espectro de crise que se vive em Portugal.
Emigram também os desempregados em busca de um posto de trabalho, e curiosamente não são só as pessoas, pois no norte do país há pequenas empresas de construção civil que também “emigram” para Espanha, basicamente num constante “vai e vem” de homens e máquinas para realizar pequenos trabalhos na área da construção civil e obras públicas. A nível individual surge o novo fenómeno da “emigração semanal” que leva muitos portugueses a trabalhar naquele país durante a semana e a regressar a casa ao fim de semana, dedicando-se a trabalhar em áreas como construção civil, pesca, agricultura, restauração e hotelaria.

Países tradicionais de emigração

Mas não se pense que os destinos tradicionais da emigração saíram de moda. Há cada vez mais portugueses a procurar países como Suíça, Luxemburgo, Holanda e Bélgica , onde o crescimento económico é superior ao nosso e onde existe mais procura de mão-de-obra. A crise económica continua a ser o principal impulsionador destas escolhas e se no período de 2000 a 2006 se registou um aumento de 419 mil para 640 mil de portugueses em países como Suíça, Andorra, Luxemburgo, França, Espanha e Reino Unido, nos últimos anos o crescimento tem sido certamente maior, bastando ver o crescimento de 246 por cento de presenças portuguesas registadas na Irlanda. É este fenómeno que leva a que a situação do desemprego não se tenha tornado “explosiva” porque estes portugueses ao emigrar “aliviam” a estatística tal como reconhece Jorge Malheiros autor do Relatório Internacional sobre Migrações da OCDE (2007).

Nova emigração, Novos mercados

Esta nova emigração tem como grande motor a facilidade com que as pessoas hoje em dia se deslocam na Europa comunitária. Não se pode dizer que haja um corte com o país, mas sim um constante “vai vem” alicerçado na riqueza de se adquirir o melhor de duas culturas e de duas línguas. Se antigamente se dizia que o emigrante tinha sempre o país no coração, hoje pode dizer-se que Portugal permanece sempre na cabeça destes novos emigrantes, e por isso continuam a ser uma mais valia para o país.
Curiosamente são as empresas com o seu dinamismo tradicional que já perceberam o fenómeno e apontam baterias para esse novo mercado que se deslocalizou e vai obrigar a um investimento suplementar para assegurar a fidelidade e preferência desses consumidores que agora vivem em países estrangeiros. António Pires Eusébio, presidente da Sumol assume em entrevista concedida ao Emigrante/Mundo Português que embora as vendas internacionais representem 17 por cento da facturação da sua empresa, no caso dos países com significativo número de portugueses emigrados esse valor chega a subir acima dos 40 por cento.
Já para Fernando Pinto, presidente da TAP nenhuma decisão em termos de novas ligações aérea é tomada, sem estudar o comportamento da comunidade portuguesa, e assume que nem ele dava aos portugueses residentes no estrangeiro a importância que de facto têm para a facturação da empresa.
Salvador Guedes, presidente da comissão executiva da Sogrape vai mesmo mais longe e afirma que esta empresa nasceu de fora para dentro dado que “a comunidade portuguesa sempre representou um importante pilar do desenvolvimento internacional da Sogrape”. Mas se o sector dos transportes e alimentar e bebidas têm esta visão da importância estratégica deste mercado, também a banca reconhece a sua dimensão.
Para Francisco Bandeira, Vice-Presidente da Caixa Geral de Depósitos as remessas dos emigrantes foram estratégicas para a recuperação financeira e económica do país, e assume que este mercado vale actualmente para a Caixa 5.000 milhões de euros.
Por seu turno, José Manuel Espírito Santo, assumindo-se ele próprio um emigrante ao longo de 19 anos afirma que este mercado vale para o BES mais de 2,5 mil milhões de euros e considera que se tem de dar mais atenção à diáspora portuguesa porque “hoje em dia os portugueses vão para o estrangeiro mas continuam muito ligados às coisas portuguesas”.

Saudade da comida de casa

E a prova de que continuam mesmo muito ligados a Portugal é que ainda recentemente um grupo de portugueses emigrados na Irlanda afirmava que “nem tudo eram rosas” e consideravam que a falta de produtos alimentares portugueses contribuía decisivamente para um certo “mal estar” de quem parte em busca deste destino. “Um dos maiores problemas da Irlanda é não se encontrar bacalhau. Claro que os outros produtos portugueses também são importantes, mas o bacalhau é o essencial”.
Para quem nunca emigrou este parece ser um problema menor, no entanto se julgarmos pela indústria alimentar que a presença portuguesa no mundo foi consolidando em tantos países, é que poderemos avaliar da importância da questão e como se trata de um conforto para quem emigra e enfrenta as adversidades habituais do desconhecido.
Daí que se perceba o filão de oportunidade que as grandes empresas do sector estão a reconhecer com este novo surto de emigração e do investimento de aproximação que estão a fazer aos cerca de 4,8 milhões de portugueses que vivem fora, mas nem por isso deixam de fazer parte da grande nação portuguesa, como tão bem enfatiza Alberto da Ponte, CEO da Central de Cervejas e Bebidas.
Costuma dizer-se que a história não se repete, mas neste caso repetiu-se e Portugal está com um novo ciclo de emigração como já havia conhecido nos anos 60. As coisas nunca não tão más como se diz nem tão boas como se imagina. É fundamental que o tecido empresarial português aproveite as janelas de oportunidade que este surto de saída do país também proporciona e saiba responder positivamente em vez de ficar a lamentar “ad eterneum” o leite derramado. Mais uma vez é preciso ter consciência que os ventos da história estão em mudança e é fundamental que nos adaptemos a essas mudanças constantes, que muito embora possam parecer desconfortáveis também trazem coisas boas.
Se o mercado se deslocaliza, as empresas terão de acompanhar esse mercado para onde ele se dirigir, com a certeza que os ganhos conseguidos ultrapassarão certamente os valores do mercado inicial.

Números mais recentes

O número de portugueses a ir trabalhar para o estrangeiro aumentou mais de 22 mil entre 2006 e 2008, com uma grande maioria a escolher Suíça e Angola para emigrar, segundo dados do Governo português. De acordo com a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP), em 2007-2008 emigraram mais 22.726 portugueses do que em 2006-2007. O grande aumento em 2007-2008 deu-se na Europa, com mais 25.251 emigrantes portugueses, e em África, com mais 13.564. Já no continente americano, registou-se um aumento de 832 portugueses na Argentina, de 85 no México e de 26 em Cuba. Com excepção da Suíça e do Luxemburgo, manteve-se o número de portugueses nos países com forte tradição emigratória como os Estados Unidos, o Canadá, a Venezuela e o Reino Unido. Os números fornecidos pela DGACCP são uma estimativa e referem-se apenas aos portugueses que se registam nos consulados de Portugal no estrangeiro, por isso bastante abaixo da realidade. Por isso conseguir determinar o número exacto de portugueses no estrangeiro é um dos objectivos do Observatório da Emigração, criado pelo Governo em Maio de 2008.



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