O sobrenatural foi a explicação encontrada ao longo dos tempos para o inexplicável pelas gentes transmontanas perpetuado em histórias que inspiraram um novo livro em volta do imaginário popular, com apresentação marcada para quinta-feira em Vinhais.

O autor é Roberto Afonso, um professor estudioso e colecionador deste património imaterial, que transformou as histórias de encantar e de medos de antigamente em novos contos reunidos no livro “(Às) Contas com Almas Penadas e Diabos, Bruxas e Maus-olhados”.

São 33 contos criados, como antecipou à Lusa, a partir de relatos orais de 26 informantes de várias aldeias do concelho de Vinhais, no distrito de Bragança, “todos ligados à superstição, aos medos, aos bruxedos, aos feitiços”.

A partir destes relatos, construiu “uma narrativa ficcionada” e em quase todos os contos incorporou uma oração, ou um esconjuro, um responso, que foram também recolhidos em vários pontos do concelho transmontano.

O livro será apresentado, na quinta-feira, no Centro Cultural Solar dos Condes de Vinhais, em paralelo com a inauguração de uma exposição com as ilustrações feitas para cada conto pelos colegas professores de artes visuais da escola de Vinhais Alberto Lebreiro, Ana Paula Ortega e Rui Correia.

O bispo da diocese de Bragança-Miranda, José Cordeiro, assina o prefácio desta publicação com a chancela da Oficina do Livro, que se inspira nas estórias dos tempos em que “era à noite, à volta da lareira, que vizinhos, familiares e amigos confraternizavam alegremente, partilhando momentos de boa disposição que os faziam esquecer as agruras do dia a dia e as longas e penosas horas passadas a trabalhar, no campo, de sol a sol”.

Era nestes serões “na velada, folheando o testamento oral de tempos de antanho que, de boca em boca, de geração em geração, se transmitiam estórias de encantar ao mesmo tempo que se despertavam “medos”, como relata o autor.

Deste imaginário fazem parte “luzes avistadas ao longe nos montes, barulhos súbitos com soalhos a ranger e portas a abrir, encostos aterrorizantes, fantasmas e espíritos perturbadores, lobisomens e demónios que encarnavam em animais, velhas bruxas desdentadas e corcundas, almas penadas, vagueando pelo mundo em busca da salvação, e as manhas e malícia do diabo”.

“Vivências de um povo profundamente crente e supersticioso que se refugia na fé, na oração, em mezinhas e esconjuros, muitos deles integrados nos contos, para enfrentar, combater e vencer as forças das trevas”, refere.

O confronto entre o bem e o mal são uma constante neste imaginário e a escolha desta época para lançar o livro foi feita justamente por coincidir com o período mais forte das festas de inverno no Nordeste Transmontano, com os mascarados e o profano e o sagrado a caminharem lado a lado.

São histórias de Vinhais, mas que fazem parte do imaginário popular nacional como retrata também a coleção particular que Roberto Afonso junta desde jovem, com 85 máscaras e 170 figuras de 50 artesãos de vários pontos do país.

O livro vem ao encontro de uma das exposições que tem feito e que se encontra patente em Vinhais, com o título “Entre Deus e o Diabo” com figurado, sobretudo de artistas de Barcelos, no Minho, e Estremoz, no Alentejo, em que aparecem também “estes diabos, estas bruxas, estes monstros, um tema universal.

Roberto Afonso é professor de português e inglês em Vinhais, mas desde cedo que mostrou “um grande interesse, uma paixão e fascínio” por tudo que é a identidade cultural, as raízes, o património locais, “que eram um bocado desvalorizados e considerados até menores”, como observou.

Quando fez parte do executivo municipal de Vinhais ajudou, em 2006, a recuperar a tradição da quarta-feira de Cinzas e, mais tarde, criou, em torno dela, os Mil Diabos à Solta, uma procissão de gente vestida de vermelho que se tornou num produto turístico, assim como a Festa da Cabra e do Canhoto da aldeia de Cidões.

A coleção particular de máscaras deu origem a uma exposição itinerante que, há quatro anos, percorre Portugal e Espanha e que reuniu em dois livros a história e autoria de cada exemplar.

Foi também coautor da coletânea, com dois volumes, dos Contos e Lendas Transmontanos dos concelhos de Bragança e Vinhais.

Roberto Afonso lembra-se do tempo em que os jovens “tinham vergonha” destas tradições “porque lhes chamavam logo parolos”.

Hoje em dia, esta identidade cultural é motivo de orgulho e até oportunidade de negócio para artesãos que vendem em feiras e lojas e ajudam a mostrar e perpetuar este património.

Para este percurso tem contribuído também o envolvimento das escolas, já que professores e alunos participam permanentemente nos eventos ligados a estas tradições, nomeadamente com a construção de elementos alegóricos.



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