Como todas as frases que pretendem constituir-se em máximas de vida, esta tem o seu quê de controverso. Até porque toda a gente sabe que viver nos dias de hoje dá um trabalhão! Mas a frase que me dá o mote para a crónica de hoje é geralmente entendida em sentido irónico, significando apenas que se pode viver sem esforço e sem preocupações, confiando em que a esperteza saloia e a ingenuidade dos outros permitirá subir na vida sem fazer força. E, neste sentido, abundam outras citações normalmente repetidas por quem encara a vida com algum optimismo ou alguma despreocupação quanto ao futuro.
Que a frase sirva de graçola sem significado especial, e, como tal, faça parte daquele arsenal de frases feitas para encher os espaços de conversa em que não há nada a dizer – falar por falar ou para não dizer nada – daí não vem mal ao mundo. O problema surge quando se toma a frase à letra e se faz da frase a filosofia de vida.
A maioria dos portugueses sente bem que o tempo não vai para festas e, por maior optimismo que tenham, não deixarão de sentir uns arrepios quando os descobertos bancários aparecem cada vez mais cedo, os avisos de pagamento de fornecimentos e serviços são cada vez mais insistentes e até ameaçadores, os filhos pedem roupa de marca e consolas de jogos do último modelo, o senhorio quer aumento de renda e o patrão paga tarde e pouco. O próprio governo não se tem cansado de afirmar que estamos em tempo de vacas magras e que todos temos de apertar o cinto. Mas há uns felizardos que têm razões para fazer a pedagogia (demagogia) contrária: são os bancos e outras empresas que navegam sobre a crise. Esses, excitados com o crescimento anormal dos seus lucros, entram em euforia e querem mais. Por isso, interessa-lhes criar uma massa de consumidores suficientemente dócil para não protestar e suficientemente acéfala para não fazer contas. E o resultado é que todo o país vive a crédito.
Claro que esta situação, num país regulado, levaria a controlos apertados da actividade bancária e a preocupações acrescidas de defesa dos consumidores. Num país onde quem tem dinheiro manda mais do que quem é eleito, é a selva comercial e a concorrência por todos os meios. Depois há umas crises cíclicas onde quem perde são sempre os mesmos, os mais pobres, e espera-se que o tempo apague da memória esses maus momentos para recomeçar.
Nestas férias fui surpreendido com uma curiosa publicidade nas rádios de cobertura nacional: a pretexto de facilitar o acesso ao crédito, um dos grandes bancos entendeu por bem convidar os portugueses a fazer cada vez menos, porque quem sabe, sabe, e o esperto que descobriu maneira de pagar prestações menores é que sabe!
Fantástico lema de vida: deitar-se calmamente de papo para o ar, sem pensar em nada, a não ser pensar em pensar ainda menos, e ver um banco benemérito resolver-lhe, sem sair de casa, todos os problemas! Viva a divina providência banqueira!
Sabemos que a publicidade procura ter eco no estado da sociedade e não imagino que os nossos criativos sejam tolos. Eles bem sabem o estado de letargia em que vive o país. Mas não lhes cabe a eles educar o país ou dar-lhe lições de vida. A comunicação televisiva, como dizia em tempos o director de uma prestigiada cadeia de televisão privada francesa, consiste em limpar a cabeça dos espectadores de preocupações, para deixar o espaço vazio e receptivo para a mensagem comercial. A publicidade comercial tem o mesmo objectivo.
No entanto, entendo que a Banca devia ter um papel mais responsável, porque, a longo prazo, lhe interessa ter clientes responsáveis e cumpridores. E foi por isso que a publicidade desse banco me chocou.
Diga-se de passagem que essa mensagem publicitária, dum banco privado, não foi a única que considero irresponsável. Numa manobra pouco clara e nas raias da publicidade enganosa, o único grupo bancário estatal anunciava em brochura com larga difusão o empréstimo à habitação t-fixo. É uma malandrice barata e corresponde a encolher os ombros perante a crise monetária que ameaça a capacidade de reembolso das famílias. Ao inculcar-se a ideia aparente duma taxa fixa, estende-se cinicamente uma cenoura, que se retira imediatamente com a oferta duma prestação fixa. Esta, evidentemente, só convém ao Banco, pois significa o alargamento do prazo de reembolso cada vez que há um aumento das taxas de juro. A banca pública tinha o dever social de criar uma taxa fixa a longo prazo.
E, já agora, senhores banqueiros, digam lá: por que razão Portugal é dos poucos países da zona euro (se não o único) em que a Banca não oferece a possibilidade de taxa fixa em empréstimos à habitação? Os vossos gabinetes de estudos não têm competência para calcular a evolução da conjuntura e o risco a longo prazo? Ou entendem que, para quem quer pensar cada vez menos, o vosso bacalhau basta?