Uma das poucas coisas que tenho para mim como certas, é que no que respeita a assuntos de política, e muito mais de política internacional, nem sempre o que parece, é, e quase nunca o que é, parece. Diz-nos o saber colhido do que se lê e do que se ouve anos após os reais acontecimentos, que nesses assados, existem sempre mãos escondidas a deitar lenha no lume, ou a conduzir as labaredas na direcção que a alguns mais convém a dado momento. É sempre assim, já desde que o homem é homem.
Por estas e por outras, é que devemos sempre desconfiar, assim como devemos sempre evitar embarcar em hossanas ou em condenações imediatas, quando nos deparamos com invasões, revoluções, manifestações, e por vezes eleições, para já não falar em aclamações. Análise possível e desejavelmente que baste, é no meu modo de ver o que há a se recomendar.
Vem isto a propósito dos acontecimentos a que todo o mundo vem assistindo nas últimas semanas ali para os lados do Norte de África, paredes meias com o Médio Oriente. São terras e gentes sobre os quais nós ocidentais nos acostumam a olhar com sobranceria e com muita desconfiança, vai para um milénio de anos, quantas vezes esquecendo-nos do rico legado cultural que nos deixaram. Nisso, ou muito me engano, ou de novo lhes vamos ficar em débito.
Julgamento político de fora acerca das motivações e dos empurrões que os acontecimentos sofreram, há lições a aprender e reflexões a fazer por banda de quem minimamente se preocupe com o andamento da carroça em que uma boa porção da humanidade vai metida rumo vá lá saber-se a quê. No menos, o que se poderá afirmar, é que os paradigmas e as formas de exercer ditatorialmente o poder se alteraram a partir de agora. O muro fendeu e ruiu. Já não é possível tapar o sol da informação com a peneira da repressão. Por mais que se tente obstruir o rego, o caudal emperra, mas não pára.
Jovens e menos novos, utilizam as tecnologias mais modernas, com elas espreitam por cima da parede, vêm para lá da muralha, gostam, anseiam, e exigem.
Almejam por ter nas suas mãos as rédeas do seu próprio destino, não abdicam, e morrem por semelhante ideia se tal for necessário. Formados e com conhecimentos sustentados, sabem que é com as ideias conseguidas ainda que sofridas que se faz rodar o mundo nos seus eixos, por mais desconchavados que estes estejam. Sentem-se quantas vezes estrangeiros na própria pátria, sabem dos recursos que não são igual nem justamente repartidos, e não se conformam.
Para se reunirem nas largas Praças, basta-lhes um dedilhar sobre teclados dos computadores pessoais e dos telemóveis. Nem os boicotes, nem as metralhadoras conseguem estancar os chamamentos que cavalgam as ondas electromagnéticas e que fazem unir-se e reunir-se centenas de milhar de cidadãos motivados por anseios comuns. Tremem os ditadores, inquietam-se os aproveitadores, e tentam minorar os riscos os supervisores.
Parece que finalmente as coisas começam a mudar não ficando tudo na mesma como era ancestral costume. Os senhores dos ventos e das marés, sabem que o norte lhes começa a fugir, e temem. Receiam não mais ter sopro suficiente para influenciar a direcção do ar que se movimenta. Porque não brincam e estão atentos, têm a noção da força que historicamente vem da rua. Começam a não dormir com medo que a rua se aperceba do quanto vale.
Nós por cá, olhamos e pensamos que o redemoinho é lá longe, mas não é. O seu rodopiar está-nos à porta. Resta-nos desejar que os nossos líderes políticos, económicos, e financeiros se lembrem que também temos uma geração perdida que se licencia para ganhar quinhentos euros, e se arrepela para conseguir um estágio condenada que está a viver à sombra de quem lhes passa um mundo pior que o herdado pela primeira vez desde que o tempo é tempo.
Esta é a nossa responsabilidade e a nossa vergonha. Mas nada está perdido. Basta que a lição seja reconhecida, sabida, e inteligentemente seguida. O resto, podem ser cortinas de fumo, mas que o futuro a construir é mais que uma miragem, disso ninguém duvide.