Acabo de ler o Acórdão 353/2012, do Tribunal Constitucional. Fica-me a sensação de algo incompleto.
Começando por afirmar que os subsídios de férias e de Natal são incortáveis porque
«No que respeita aos trabalhadores que exercem funções públicas, esta natu¬reza foi reconhecida, desde logo, no Decreto-Lei n.º 372/74, de 20 de agosto, que instituiu, com caráter de obrigatoriedade, o subsídio de Natal, e criou o subsídio de férias. »,
e
«Ainda de acordo com o referido preâmbulo, esse aumento foi efetuado “segundo um esquema de aumentos degressivos em valor absoluto”, bem como com a instituição, com caráter de obrigatoriedade legal, do 13.º mês (subsídio de Natal) e com a criação do subsídio de férias (cujo valor era, então, equivalente a metade da remuneração mensal).»,
e ainda
«Atualmente, a ideia de que estes subsídios constituem parte da “remunera¬ção anual”, resulta claramente do artigo 70.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de feve¬reiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, o qual dispõe que “A remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.”»,
o relator não se fundamenta nesta ilegalidade dos cortes, matéria do Supremo Tribunal Administrativo, para , outrossim, fundamentar a sua inconstitucionaliade na contravenção ao princípio da igualdade entre trabalhadores do sector privado e trabalhadores do sector público e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social.
Discorre sobre o princípio da igualdade assim:
«O princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, enquanto manifestação específica do princípio da igualdade, constitui um necessário parâmetro de atuação do legislador. Este princípio deve ser considerado quando o legislador decide reduzir o défice público para salvaguardar a solvabilidade do Estado. Tal como recai sobre todos os cidadãos o dever de suportar os custos do Estado, segundo as suas capacidades, o recurso excecional a uma medida de redução dos rendimentos daqueles que auferem por verbas públicas, para evitar uma situação de ameaça de incumpri-mento, tam¬bém não poderá ignorar os limites impostos pelo princípio da igualdade na repartição dos inerentes sacrifícios. Interessando a sustentabilidade das contas públicas a todos, todos devem contribuir, na medida das suas capacidades, para suportar os rea¬justamentos indispensáveis a esse fim.
É indiscutível que, com as medidas constantes das normas impugnadas, a repartição de sacrifícios, visando a redução do défice público, não se faz de igual forma entre todos os cidadãos, na proporção das suas capacidades financeiras, uma vez que elas não têm um cariz universal, recaindo exclusivamente sobre as pessoas que auferem remunerações e pensões por verbas públicas. Há, pois, um esforço adicional, em prol da comunidade, que é pedido exclusivamente a algumas categorias de cidadãos.».
E conclui:
«Deste modo se conclui que as normas que preveem a medida de suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações corresponden¬tes aos 13.º e, ou, 14.º meses, quer para pessoas que auferem remunerações salariais de entidades públicas, quer para pessoas que auferem pensões de reforma ou aposenta¬ção através do sistema público de segurança social, durante os anos de 2012 a 2014, violam o princípio da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Por esta razão devem ser declaradas inconstitucionais as normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), tornando-se dispensável o seu confronto com outros parâmetros constitucio¬nais invocados pelos Requerentes.
Apesar de a situação específica dos reformados e aposentados se diferenciar da dos trabalhadores da Administração Pública no activo, sendo possível quanto aos primeiros convocar diferentes ordens de considerações no plano da constitucionalidade, em face da suficiência do julgamento efectuado, tendo por parâmetro o princípio da igualdade, tal tarefa mostra-se igualmente prejudicada.».
E, sentenciando, determina:
a) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por viola¬ção do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012).
b) Ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determina-se que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.».
Esta obtusa declaração de inconstitucionalidade pareceria deixar a porta aberta à imposição de cortes salariais no sector privado. Porém, à luz das normas dos acima referidos diplomas jurídicos de 1974 e de 2008, tal não é possível.
Além disso, adviria uma outra inconstitucionalidade: a intromissão do Estado na esfera privada, usurpando bens que não são dele nem administrados por ele.
Restará ao Estado lançar impostos, estes sim extensíveis ao setor privado. Porém, a avaliar pelo discurso do Primeiro-Ministro, ontem, a perspetiva de atuação não será essa mas antes fazer mais cortes na educação e na saúde, os dois setores que, só por si, constituem metade da Administração Pública. Pobres professores, enfermeiros e médicos: desde 2006, é só levar pancada como se fossem a origem de todos os males. E os doentes, coitados, pagarão ainda uma fatura maior.
Receberemos os subsídios de férias e de Natal, em 2013, mas esperemos que não tenhamos de devolver um troco maior que eles.