Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Um pequeno conto surreal e Que Anúbis nos proteja

Um pequeno conto surreal 

Uma mulher fez-se explodir no centro de Tunes, capital da Tunísia. A explosão ocorreu na movimentada avenida Habib Bourguiba. Oito dos feridos são agentes da polícia.

A mulher usou uma granada de fabrico caseiro com pequenas quantidades de explosivos. Fotografias entretanto publicadas pela rádio nas redes sociais mostram uma mulher no chão, aparentemente morta, com ferimentos na anca esquerda, vestida com calças e blusão escuro, com véu.

 Desde a revolução que fez cair a ditadura de Ben Ali, em Janeiro de 2011, a Tunísia foi palco de centenas de atentados que quase acabaram com o turismo, setor responsável por 7% do PIB.

 

Era jovem e sonhava com revoluções, uma alma perdida nos labirintos do Daesh que sonhava com as suas 72 virgens nos céus e o fim dos infiéis cristãos que dominam o mundo e conspiram contra a memória de Alá.

Quando viu o Pedro Paulo Câmara após este a fotografar nas pedras do cais em Lisboa, trocara com ele um breve e tímido sorriso e dele ouviu estas palavras.

Quando, no cais das minhas colunas, uma imagem fala por si, fala pelo mundo. Voa, gaivota, voa de asas milenares, mais velhas e usadas do que esta nação ou esta Europa casa-mãe e casa-mar. Voa e recebe nos teus ninhos todos quantos de amparo precisam.

 

Não entendeu então que a Ibéria em tempos fizera parte desse sonho do Al-Andalus e ainda éramos todos aparentados, herdeiros dessa vivência intemporal que unia credos distintos séculos antes das fogueiras da Inquisição.

Nada tinha a temer, nem era ucraniana para morrer torturada numa sala do SEF no aeroporto de Lisboa no séc. XXI.

Subiu aos céus na Tunísia sem saber da pandemia de Covid-19  ignorando que como descendente renegada de sefardita podia requerer a nacionalidade portuguesa e ser feliz aqui em frente ao Tejo.

foto do Pedro Paulo Câmara

 

Que Anúbis nos proteja 

Que Anúbis nos proteja como protegeu Tutankhamon em Tebas, quando Amon (Amon Ra) era o deus criador todo poderoso, já venerado por seu avô Imhotep III (Amenhotep) e por sua mãe Nefertite, que renegou o deus sol (Atón)  idolatrado pelo marido. o faraó  Amenófis IV, aliás Aquenáton (séc. XIV a.C.) e a sua cidade sagrada de Amarna (Akhetaton ).

E faço esta invocação faraónica  a propósito de quê?  Dos faraós que nos Açores em 24 anos quiseram mudar os deuses tradicionais e se centraram num deus-sol em volta do qual tudo girava. Só que no arquipélago, assim como no Antigo Egito, o povo não queria abdicar dos velhos deuses e recusou o deus-sol. Foi destronado, a sua capital dedicada a Atón arrasada,  e as pedras trasladadas para outras cidades.

É o que acontece quando se querem mudar as divindades. Agora os novos faraós terão de erigir uma nova Gizé com pirâmides de Quéops (Khufu), Quéfren e Miquerinos (Menkaure) em plena pandemia e tempo de vacas magras, depois de terem prometido tudo e mais alguma coisa (exceto um tunel submarino a ligar o Faial e o Pico).

São tantas as promessas e exigências dos parceiros, que não sei quantas vidas levaria cumpri-las  isto se os parceiros não se divorciassem litigiosamente antes do termo. Como sempre fiz, darei cem dias para ver em que direção vamos, mas já ouço queixas de que isto afinal, está muito pior do que se previa e que o governo anterior nos deixou um campo minado. Só a dívida das empresas públicas e parapúblicas levará toda a ajuda económica pandémica e pode não chegar.

Depois, é preciso dar tempo ao tempo (que é aquilo de que não dispomos) para as pessoas se inteirarem dos dossiês e adotarem medidas, enquanto a economia mergulha profundamente, o desemprego alastra, as empresas a fechar, o turismo estagna e tão cedo não irá recuperar, a miséria e a pobreza aumentarão sem resposta capaz.

Adivinham-se dias negros, como já se adivinhavam se nada tivesse mudado, e como sempre escrevi, continua a faltar nos Açores muita massa crítica e cinzenta para pensar o presente e futuro, enquanto os jovens (e enfermeiros) continuarão a fugir para outras paragens onde lhes seja dado valor e recompensa digna pelo seu trabalho, as ilhas menos povoadas continuarão a envelhecer e a empobrecer, e a enorme jangada continuará à deriva neste Grande Mar Oceano.

E eu, que nem sou deus nem bruxo não tenho soluções nem propostas, tudo o que devia ter sido feito não o foi enquanto era tempo e agora teremos de ser.

 


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