Manuel Igreja

Manuel Igreja

Um Duelo ao Pôr-do-Sol

Em Portugal, vive-se um tempo de assombro. Dias de uma pessoa se benzer com a mão esquerda para afugentar o mafarrico, como se fazia na aldeia do meu nascimento, nos anos da minha criação, quando sucediam coisas de muito admirar e de pouco compreender.

Depois de décadas de morrinha em que nada parecia poder abalar o desenrolar de quotidianos feitos de desenrascanços, subterfúgios, e de atitudes sub-reptícias, em cada acordar começaram a vir ao de cima novas que falavam e falam de roubalheiras, de bancos geridos por bandoleiros com fatos de fino corte, e pasme-se, de um ex-Primeiro-ministro detido por suspeita de coisas de bradar aos céus.

Caso há meia dúzia de anos atrás, algum ficcionista mais afoito, deitasse escrito em que descrevesse os acontecimentos vividos e espelhados bem à frente dos nossos olhos, o mais certo seria atribuírem-lhe estado febril ou aditivos fora da norma no sangue de tanta ser a imaginação necessária na prosa.

Num repente, começamos a ver serem colocadas em causa instituições e personalidades sempre vistas como isentas de culpas e não susceptíveis de serem manchadas com suposições e muito menos com acusações concretas de acções indignas, desonestas e absolutamente condenáveis, num ponto tal, que nada tardou que ao comum dos cidadãos mais não restasse do que desconfiar da própria sombra.

Ficaram minados pois então os alicerces da República, que de povo de há muito passou a ter muito pouco e de pública cada vez menos. Os representantes nada dizem e acrescentam aos representados no modo de ver destes, e estes, mais não passaram a ser do que um degrau em jeito de voto na escalada daqueles, em direcção ao topo e/ou na manutenção do passeio pelos corredores do poder exercido em toda a linha sem que se note respeito pelos anseios das gentes e dos territórios que dão forma e conteúdo à Pátria.

Descredibilizou-se a Política, achincalhou-se a Justiça, piorou-se a Educação e a Saúde, semeou-se o temor, cerceou-se a Juventude, empenhou-se o futuro, vilipendiou-se o passado e vendeu-se o presente, como se não mais houvesse amanhã possível, numa terra muito à beira de andar sem rei nem roque, onde todos começavam a gritar aqui d’ el rei, alguém acuda que nos matam a essência e a decência.

No nosso país, parece contudo agora, que algo começa a mudar. Pode até não vir a ser mais do que um estrondo de pólvora seca, pode estar-se a mudar alguma coisa, para que tudo fique na mesma, mas que parece notar-se um terramoto, lá isso parece. Eventualmente é optimismo em dose dupla, mas convenhamos que temos motivos. Mais não seja, porque não há outra via, uma vez que a assim não ser, pode ser pura e simplesmente o fim de um regime para não dizer de uma Estado que pouco mais tem vindo a ser do que uma federação de grupos de interesses. Quase diria que é a nossa última oportunidade e que esta está nas mãos dos que têm o direito e o dever de julgar com fundamento, com inteligência e com justiça, no pressuposto de que todos somos iguais e inocentes até prova em contrário.
Nesta nossa terra em que se desenrola um braço de ferro, mais não nos resta do que desejar que não aconteça um duelo ao pôr-do-sol entre quem foi ou é poderoso, e entre quem porque não tem vindo a cumprir bem, quer mostrar que agora é que vai ser.

A ver vamos como dizia o cego lá no meu canto.


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