Manuel Igreja

Manuel Igreja

Um Anel de Linha no Dedo

Noutras eras, havia quatro estações do ano muito bem definidas e muito bem cumpridas pelo senhor São Pedro que segundo os dizeres dos antigos, é a quem compete regular os humores do tempo que faz em cada minuto que possa.   

Vinha o verão e era um calor de fritar, vinha o inverno e era um frio de rachar, vinha o outono e eram uns dias de meias tintas, e vinha a primavera e eram alguns dias com sol de se adivinhar.

Mas tudo muda. Hoje em dia já nada é certo muito menos as condições que revelam no que respeita ao que nos vem do céu. Ora venta e chove, ora o sol brilha e nos queima. Também o modo das modas e as maneiras como nos apresentamos se modificou nos jeitos de se gostar, de se achar bem e de se ter como de bom preceito.

Por exemplo. Andar uma pessoa com a pele queimada com cor a lembrar o bronze é de bom tom e tem-se como parecendo bem. Dizem que dá um ar chique. São gostos e quanto a isso nada a apontar, pois o belo está mais nos olhos de quem vê do que naquilo que se observa. Somos nós que o acrescentamos ao que gostamos.

Antigamente era ao contrário. Ser-se ou parecer-se de e com alguma classe, implicava uma pessoa afigurar-se com alva pele. Quanto mais brancura de neve, melhor. Era sinal de que se não andava em trabalhos manuais debaixo dos destemperos do clima. Aliás laborar ou desenvolver produção do que quer que fosse era até quase um ferrete.

Hoje não se entende, mas era assim. Os das estirpes tidas como cimeiras, principalmente as senhoras e as meninas, eram pálidas mesmo nas noites de luar. Viam-se-lhes as veias caminhos do sangue em tons de azul, e por isso se pensou terem o preciso líquido de cor diferente do vivo encarnado, como se a natureza não fosse igual para todos como era e felizmente é.

Vai daí, por mor de se querer exibir distinção conseguida ou desejada, enraizou-se uma tradição. No primeiro dia do mês de março, enfeitava-se o dedo anelar com um anel de linha de fiar. Fiavam-se as pessoas que com isso se protegiam dos efeitos do sol na pele e que se evitava a mudança de tons cutâneos do alvo para o castanho, do se não queimar para o ser-se queimado.

Vistas estas coisas cá do meio e do alto da nossa modernidade, podem até parecer-nos esquisitas. Mas eram saberes e acreditares que passavam de geração em geração através da ponte que nos liga à fundura dos tempos que passaram e à lonjura dos tempos que irão passar.

Quem me ensinou isto foi a minha mãe que não precisava de pôr qualquer anel de linha no dedo que liga diretamente ao coração, pois para mim, ela brilhava e brilha mais que o próprio sol. Só por causa disso, no próximo dia um de março foi anelar o meu dedo com um fino pano de aconchegar.             

               


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