Os autos da paixão, as endoenças, as vias-sacras, a queima do Judas e o enterro do bacalhau são algumas das tradições cristãs e pagãs mais comuns na Semana Santa em Trás-os-Montes.
Todas estas manifestações de cultura imaterial, que ajudam a definir o perfil identitário de uma região, são marcadas por fortes sentimentos de religiosidade, mesmo quando constituem momentos eufóricos da expansão lúdica do povo. Se os autos da paixão, as endoenças e as vias-sacras traduzem cenários de luto, de reflexão dolorida, expressos dos tons roxos e negros das celebrações, a queima do Judas e o enterro do bacalhau representam impulsos eufóricos de catarse e libertação perante os constrangimentos quaresmais.
Enquanto representações de teatro popular, que narram os últimos dias de Cristo, desde a traição até à morte e deposição na cruz, os autos da paixão envolvem cerca de quarenta figuras humanas recrutadas no seio do povo, muitas delas pessoas idosas e iletradas, pelo que conservam na memória, durante décadas e décadas, os dizeres dos personagens que encarnam. Alguns dos seus papéis eram, outrora, desempenhados com tal emoção e realismo, que, no acto de agredir ou chicotear, as vítimas chegavam a sair em braços e ensanguentadas de verdade das respectivas cenas, havendo ainda casos em que os actores ganhavam, pela vida fora, as alcunhas dos papéis que representavam, como por exemplo, Cristo, Judas, Caifaz, Pilatos, Fariseu ou Diabo.
A vivência desta tradição em Trás-os-Montes é tão intensa que o cineasta Manuel de Oliveira filmou-a há meio século, na aldeia de Curalha, próximo de Chaves, tomando como actores as gentes do povo. Outros cineastas têm realizado idênticos trabalhos em Meixide e Vilar de Perdizes, nas Terras de Barroso.
No concelho de Vinhais, há a tradição das endoenças, um ritual carregado de emoção, especialmente quando narra a procura desesperada de Cristo por Nossa Senhora, ora seguindo pelas ruas o seu rasto de sangue, ora perguntando a uns e outros se alguém o viu.
Em Montalegre, mantém-se viva a Queima de Judas, no Sábado de Aleluia. A Câmara Municipal organizou um concurso para melhor mobilizar a população. Esta tradição, igualmente activa noutros pontos do país (Palmela, Azeitão, Vila Nova de Cerveira, Matosinhos, Santa Comba Dão, Tondela, Viana do Castelo, Vila do Conde, Milheirós de Poiares, Tondela, Ponte do Lima, entre outros), representa o julgamento de Judas Iscariotes, por ter traído Cristo por trinta dinheiros. O povo, armado de tochas, aguilhadas e outros meios, aguarda os momentos da acusação e defesa, a leitura da sentença e, por fim, participa no castigo fatal investindo sobre um sinistro boneco que se incendeia ou explode. Este castigo simboliza a expiação dos pecados do mundo e o fogo tem um carácter simbólico de purificação.
Em Vila Real, esta tradição tem o nome de “Enterro do Bacalhau” e é especialmente praticada na localidade de Constantim. Noutros tempos, era toda a cidade a vibrar com o ritual. Um bacalhau enorme feito de cartão seguia escoltado por militares e era julgado perante carrascos, juízes e advogados, tendo, como testemunhas de defesa, os marçanos das mercearias e, de acusação, os empregados dos talhos. O castigo a incidir sobre o bacalhau simboliza a libertação dos constrangimentos da Quaresma, que não permitia o consumo de carne. A partir do Sábado da Aleluia, dia da celebração, já o povo deixa de estar limitado ao consumo de peixe e festeja assim o regresso da carne.
Tradições cristãs e pagãs sobrevivem na Semana Santa em Trás-os-Montes

Tradições cristãs e pagãs sobrevivem na Semana Santa em Trás-os-Montes
+ Crónicas
Publicada em: 09/02/2021 - 21:01
Publicada em: 26/01/2021 - 22:46
Publicada em: 19/01/2021 - 19:28
Publicada em: 31/12/2020 - 13:15
Publicada em: 06/12/2020 - 15:45
Publicada em: 01/12/2020 - 20:16
Publicada em: 25/11/2020 - 17:28
Publicada em: 15/10/2020 - 11:12
Publicada em: 08/08/2020 - 23:26
Publicada em: 06/08/2020 - 12:00