Nos períodos de regresso à terra, habitualmente no Verão ou pelas festas de Natal e Ano Novo, a população das nossas aldeias aumenta consideravelmente.Casas vazias iluminam-se, chaminés há muito sem uso fumegam, as ruas enchem-se de carros, as igrejas de pessoas, encontram-se pessoas há muito ausentes, constatam-se cabelos brancos, rugas e calvas, dá-se de caras com homens que conhecemos crianças e recordam-se episódios vividos há muito.
O norte de Portugal, e especialmente Trás-os-Montes, é certamente terra de memórias, como se cada um que parte levasse um bocado de terra agarrada aos pés e devesse vir aqui devolvê-la. E, nas contas do progresso e da estagnação, quantas vezes nos temos lembrado de que seria suave aqui o decorrer dos últimos anos, depois de termos espalhado pelo mundo esperanças e trabalhos, sucessos e fracassos, mas também filhos ou netos.
Não fora o que falta para isso, uma garantia de assistência médica digna desse nome, condições de habitação melhoradas com as possibilidades hoje existentes, comunicações eficientes e serviços adequados a quem deles precisa. Sim, com condições, é provável que muitos reformados transmontanos regressassem, trocando os lares anónimos das cidades superlotadas pelo convívio manso com os conterrâneos.
É hoje evidente que as populações idosas representam um potencial de crescimento importante para o país. As suas experiências podem valorizar o interior, as suas pensões podem sustentar a actividade local, as suas necessidades de bens e serviços podem dinamizar empresas ou organizações de serviços ao domicílio. Infelizmente, porém, a ideia que fica das últimas reformas da saúde, é que o governo decidiu retirar serviços importantes dos concelhos, provavelmente por boas razões de gestão, mas que provocam um sentimento crescente de abandono e contribuem para o círculo vicioso da desertificação humana. A questão que se coloca às populações mais frágeis é se o sistema responde eficazmente a uma urgência, se uma paragem cardiaca ou uma queda infeliz não conduzem a uma morte inevitável por uma questão de tempo e de distância.
Valerá a pena apostar em actividades voltadas para esta terceira idade que cada vez é mais numerosa, mais dinâmica e com poder de compra em média superior ao da população residente? Seria interessante o investimento em clínicas especializadas, ainda que de pequena dimensão, em casas de repouso com elevados padrões de conforto, em actividades de manutenção física e psíquica, na promoção duma sociabilidade nova?
Penso que a possibilidade não deve ser liminarmente recusada.
Tudo isto me é sugerido pelas emoções do início do ano na minha aldeia e no meu concelho, pelo cantar das janeiras de porta em porta a gente que nos recebe de coração aberto e olhos molhados de emoção, pela reunião de grupos formados com gente de cá e gente que vem cá para se associar a estas tradições que marcam a nossa memória.
E também por uma mensagem do meu primo Aníbal Fernandes, que partiu da aldeia há mais de quarenta anos sem ter regressado até hoje, que viveu por Lisboa, depois pela França e se fixou no Canadá há mais de trinta e cinco anos.
Reformado há poucos anos, instalado no país que o acolheu, sentiu certamente a saudade da infância e das pedras da casa modesta em que nasceu quando, em vésperas de Natal, me pediu para o acompanhar dentro em breve num regresso à aldeia onde ambos nascemos, como se fosse uma peregrinação há muito desejada.
Está prometido, Aníbal! Cá te espero.