Ana Soares

Ana Soares

Sejam adultos, tomem medidas e deixem o Natal em paz!

É insuportável! Basta! Não podemos continuar com este discurso bipolar em que num dia está tudo bem - podemos fazer eventos de milhares de pessoas - e, no dia seguinte, passamos para o outro extremo, em que afinal não está tudo bem - e nos recomendam, entre outras medidas a ser tomadas individualmente, que os netos não estejam com os avós. Agora olhamos para a nossa sombra com receio quando saímos para tomar café depois de, há dois meses, nos recomendarem para jantarmos e almoçarmos fora, abrindo até noticiários o facto de os principais governantes o estarem a fazer para dar o exemplo.

Eu não desvalorizo nem desvalorizei nunca este vírus.  Pelo contrário. Acho que um dos erros que estamos a pagar agora é tê-lo apresentado como cordeirinho, quando na verdade só se for lobo com pele de cordeiro. E não me venham dizer que a maioria das mortes são em pessoas com mais de 70 anos e que, por isso, não deve haver alarido nem medidas extra. É verdade, claro, que é nos mais velhos que a taxa de mortalidade é superior, mas não estamos a falar na mesma de vidas humanas ou vamos colocar uma idade limite a partir da qual não interessa morrer e nem vale a pena tratar?

A verdade é que, além de haver pessoas que passam muito mal e que até morrem com este vírus com idade bem menos idade, as pessoas de idade mais avançada têm – muitas delas - qualidade de vida e merecem ser tão cuidadas como todos nós e é para isso pagam os seus impostos. Ou há portugueses de primeira e portugueses de segunda?

Não! Não me venham dizer que os Avós não devem estar com netos mas que professores, assistentes técnicos e administrativos – alguns também avós ou com idade para o ser – podem estar a trabalhar sem limitações nas escolas com centenas de crianças. Afinal o problema são os cruzamentos e aglomerados de pessoas ou as Famílias?

Não! Não me venham dizer que a culpa é dos almoços de domingo em que os Pais se reúnem com os Filhos e Netos tomando precauções enquanto vemos conferências de imprensa, palestras e inaugurações ministeriais onde para dar entrevistas e aparecer no horário nobre televisivo estão mais de duas dezenas de pessoas sem as devidas medidas de segurança.

Não! Não me venham dizer que duas semanas antes dos números subirem em larga escala nos podíamos reunir aos milhares e que agora, de um momento para o outro, o café de domingo passou a ser um bicho papão.

E não meus senhores! Não venham dizer que tínhamos que fazer férias cá dentro, que tivemos os meses de verão a olhar para o ar e que agora a culpa dos números e da inatividade de quem devia tomar as rédeas à situação é das Famílias. Mas então os meses de maior acalmia – sublinhando que nunca estivemos sem contágios – não deveriam ter servido para organizar o que se adivinhava estar a caminho?!

Há certamente pessoas que não tomam as medidas necessárias. Mas e aquelas todas que tomam todas as precauções mas que a normalidade que querem impor – num tempo necessariamente anormal – as coloca diariamente em risco?

Tenham coragem! Assumam e tomem medidas! Se é verdade que não podemos confinar novamente, há medidas que não arrasam a economia e que agora – se forem tomadas rapidamente – ainda podem surtir efeito, o que não acontecerá quando a situação estiver (ainda) mais descontrolada e o SNS a não aguentar a pressão: decretem o teletrabalho obrigatório para (e apenas para) os trabalhadores cujas funções sejam compatíveis com esse sistema (o que, além de reduzir pessoas nos locais de trabalho e nos transportes públicos [onde existem…] pode reduzir também a tensão numérica nas creche e ensino pré-escolar; reduzam o número de crianças nas turmas; olhem com seriedade para o que se passa nos lares e arranjem soluções que não se limitem a “brigadas de intervenção rápida” que apenas entram em acção quando o vírus já entrou nas instituições (o bom senso não impõe que se contenha antes de entrar?! Não havia menos contágios nestes contextos quando havia medidas obrigatórias para trabalhadores?),…

A realidade é que os profissionais de saúde não têm tempo para estar a pensar no Natal como os nossos governantes, porque estão preocupados com o estado atual da pandemia, a tentar conter os focos que se multiplicam a cada dia (basta vermos a nossa capital de Distrito). É com isso que quem está na linha da frente tem que lidar e perceber como não violar os compromissos que assumiu ao abraçar a sua profissão. A eles, a todos os que estão na fila da frente – independentemente de serem médicos, enfermeiros, auxiliares, membros das forças de segurança e militarizadas, trabalhadores de lar, etc – eu presto a minha homenagem porque não têm tempo para discursos bipolares, mas para arregaçar as mangas e trabalhar sem olhar para o lado e culpar as Famílias e o panorama internacional.

Os médicos, enfermeiros e auxiliares estão estoirados, tal como deveria estar quem tem responsabilidades governativas nestas àreas. Estamos a mais de dois meses do Natal. Eu até aceitava que se falasse em restrições nessa época se, até lá, estivessem a ser tomadas todas as medidas necessárias ao controlo da pandemia, economicamente sustentáveis e exigíveis pelo princípio da saúde. Não brinquem com a nossa saúde e não façam com isso manchetes para jornais, porque é isso literalmente que estão a fazer.

Em vez de se preocuparem como é que as famílias passarão o Natal daqui a mais de dois meses, personalizando autênticos Grinch, preocupem-se com os ventiladores comprados à China que foram pagos por todos nós e que foram anunciados com pompa e circunstância e que infelizmente serão precisos a curto prazo.

Não meus senhores, não é tempo de assobiar para o lado e lamentar a conjuntura. Sejam corajosos e parem de brincar com a vida de crianças, adultos e idosos. Façam o vosso trabalho, tomem medidas e deixem o Natal em paz!


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