Ora, por ocasião da festa, costumava o governador soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás. Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás ou Jesus, chamado Cristo? Porque sabia que por inveja o haviam entregado. E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele. Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás e matasse Jesus. E, respondendo o governador, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás! (S. Mateus, Cap; 27.°, 15 a 21).
No dia 9 de Outubro de 2005, em quatro concelhos do País, havia quatro candidatos a presidentes de Câmara, três deles lutando por mais quatro anos em concelhos que já haviam dirigido e outro num concelho diferente. No exercício do poder, haviam-se mostrado excelentes no relacionamento com as populações, a quem davam pão e circo, isto é, obras de encher o olho, empregos no município ou outros negócios, festas e prendas nas vésperas de eleições, e, claro, muitas aparições na televisão.
Um deles, tendo feito fortuna noutro concelho onde deixara a população desesperada com o défice da Câmara e o preço exorbitante da água, chegou a oferecer aos seus novos conterrâneos que o desejassem um passeio de helicóptero. Outra, apanhada nas malhas dum processo judicial que envolve fundos de origem duvidosa, fugira para o Brasil para escapar a um mandado de captura e apresentara-se na véspera da campanha eleitoral invocando uma imunidade legal. Outro estava indiciado de crimes relacionados com umas contas na Suiça e outro ainda era arguido num complicado processo de corrupção de árbitros de futebol. Nenhum deles teve aparentemente dificuldades para fazer campanha cara e ruidosa.
Os partidos políticos a que pertenciam e que, durante vários mandatos, tinham feito vista grossa, porque, afinal, eles obtinham resultados eleitorais, tinham agora concluído que esses candidatos não podiam continuar a representá-los, dado o momento especialmente grave que o País vive e que propicia algum exame de consciência aos responsáveis políticos. Por isso, escolheram outros candidatos oficiais. Claro que era de esperar a reacção que houve da parte dos agora postos de lado. Ou não fossem eles navegadores por conta própria, a navegar em todos os mares (em todos os charcos) e a comer de todas as gamelas. Candidataram-se como independentes, tendo, naturalmente, sido expulsos dos partidos. Fizeram campanha eleitoral a gritar à populaça, a arrebanhar fidelidades cúmplices, a afirmar inocências, a desautorizar os dirigentes dos partidos, a incitar ao desprezo da justiça e das instituições, a distribuir prendas e promessas e sonhos de grandeza.
No dia das eleições três deles foram eleitos com elevadas votações. E fizeram a festa que se esperava. Eles eram a razão do povo e os eleitos do povo. O povo gritara, como há dois mil anos, Barrabás! Apenas um dos quatro foi batido, em Amarante: honra aos amarantinos, a todos, seja qual for a sua orientação. As populações de Oeiras, de Felgueiras e de Gondomar não conseguiram fugir ao sortilégio dos saltimbancos. Escolheram Barrabás! Agora aguentem-se!
A Bíblia não nos diz como acabou o Barrabás dos judeus. Mas quanto aos nossos, a justiça tem uma palavra a dizer. Que a justiça seja esclarecida e, para isso, uma certa surdez ao clamor da rua pode ajudar à tranquilidade do juízo. A Justiça deve ser firme e serena. Que se saiba duma vez por todas que o voto popular não é nenhuma amnistia.