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«À quelque chose malheur est bon»

Retrato de henrique
Henrique Ferreira

«À quelque chose malheur est bon»

A polémica da aprovação, pela Assembleia, e da promulgação, pelo Presidente da República, da Lei da Programação Militar não está esgotada. Por isso, e apesar de haver outros temas importantes a tratar, insisto nela, para explicar as posições que tomei no artigo da semana passada e para comentar algumas intervenções que, ao longo da semana, foram feitas. A tese desta reflexão é a de que os Deputados deveriam, no mínimo, ter pedido desculpa ao Presidente da República e ao País e não terem-se posto em bicos de pés, agindo como se o Parlamento fosse uma corporação. Porque a consequência política – que em tempos de Oposição uns e outros Partidos tanto reclamam contra os Governos —, deveria ser óbvia, num Estado de Direito – a demissão. Não a extraindo, o Estado perderá toda a autoridade e ao Tribunal Constitucional não restará outra oportunidade senão legalizar a «fraude», sob pena de o Estado poder entrar em colapso

Raramente um Tribunal Constitucional (TC) terá sido tão candentemente confrontado com um problema jurídico cuja solução ele próprio terá de tomar no terreno da política. Sob pena de o Estado poder entrar em colapso por poder vir a ser solicitada a inconstitucionalidade de outras Leis que, entretanto, já deram origem a muitos contratos entre o Estado e particulares ou entre o Estado e instituições públicas autónomas, o TC terá de afirmar — em coerência com o que tem sido a sua doutrina e a sua jurisprudência —, a veracidade da acta da Assembleia da República.
Tanto mais que, se a invalidar, terá de responsabilizar criminalmente, não só a Mesa da Assembleia, como todos os Deputados. Embora, no «ethos» (a)legal em que tem vivido a Assembleia da República, seja verosímil a tese de que os desvios não são fraudes e de que as (i)legalidades resultam de acordos entre as partes envolvidas.
Temos assim criada uma situação terrível em que o mais alto Órgão de Soberania do Estado — o TC — terá que validar a «fraude» por uma de três formas: 1) dizer por palavras de sentido ambíguo que aquela «fraude» não foi fraude e que aquele «acordo de cavalheiros», embora não possa repetir-se, era uma prática inócua e inofensiva, para os cidadãos, para a democracia, e para o País; 2) que, tendo o PSD — o «criminoso» que levantou toda esta questão – deixado expirar todos os prazos dos mecanismos formais de impugnação da Lei, a sua contestação carece agora de forma, pelo que o processo é arquivado, até porque aprovou a acta da Assembleia; e 3) deixar arrastar o processo, sem resposta, até ao Verão das próximas Eleições Presidenciais. Então, o problema seria dirimido pelo voluptuoso Marcelo Rebelo de Sousa — se for candidato contra António Guterres e à revelia de Cavaco Silva, como de todo este esquisito processo se subentende. Nessa altura, o TC não teria condições políticas para proferir qualquer decisão e o problema arrastar-se-ia até às calendas. Aqui estão, pois,os três contextos em que, em princípio, o TC se irá movimentar. Isto se a propalada impugnação a apresentar ao TC, pela corporativa representação parlamentar do PSD, for para diante.
Afigura-se-me, pois, que o PSD que, por culpa de Marcelo Rebelo de Sousa, se meteu neste barco furado, já pôs demasiado em causa o Presidente da República, já se incriminou demasiado a si próprio e aos outros e, pelos vistos, a avaliar pela falta de três dos seus deputados na votação na generalidade do Orçamento do Estado, ainda não tirou daí as devidas consequências.
Ora, a bondade da acção de Jorge Sampaio está nos contornos do problema, tal como o temos aqui vindo a expor. Ao contrário de alguns juristas e de alguns constitucionalistas — que agora vieram desdizer o que até aqui diziam, o que evidencia, mais uma vez, a periculosidade da justiça, submissa ainda a interpretações subjectivas, valorativas e de interesses —, o Presidente da República promulgou a Lei porque, no terreno formal do Direito, ela foi tornada legal pela Assembleia da República, face aos pedidos de esclarecimento e de dúvidas que Ele colocou àquela. E promulgou-a bem, para defesa das Forças Armadas. E porque certamente viu que o processo, dados os seus contornos, não tinha solução no terreno jurídico mas tão só no terreno político. E, por isso, enviou à Assembleia a mensagem de que esta «farsa» não deveria repetir-se:
«Com o rompimento até agora existente quanto aos procedimentos legislativos da Assembleia da República, coloca-se um problema sério e novo, que é urgente clarificar.
Para a necessária segurança do processo legislativo, impõe-se que a Assembleia da República se pronuncie sobre a prática até agora seguida, mantendo-a ou alterando-a para o futuro.»1.
Aquando do artigo da semana passada, eu não conhecia por inteiro este texto (tive agora conhecimento dele através do semanário «Expresso») e, por isso, escrevi que «compreendo» (a posição do Presidente da República), mas «não aceito que este acto passe sem a necessária intervenção presidencial que conduza à moralização da Assembleia de todos nós».
Aquelas, enquanto discurso entre Órgãos de Soberania, são suficientemente claras. Jorge Sampaio, enquanto Presidente da República, nunca poderia dizer que esta prática é ilegal, porque inconstitucional, por contravenção aos artigos 116º e 168º da Constituição. Não. Jorge Sampaio disse que «Para a necessária segurança do processo legislativo (...) se pronuncie sobre a prática até agora seguida (...).».
Para esclarecimento dos nossos leitores 2, o nº 2 do artigo 116º, um dos artigos da Constituição sobre a organização do Poder Político – Órgãos Colegiais diz que «As deliberações dos órgãos colegiais são tomadas com a presença da maioria do número legal dos seus membros.». Já o nº 5 do artigo 168º, sobre «a discussão e a votação» das Leis na AR, diz que «As leis orgânicas carecem de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (...).». Conjugados os dois artigos, não restam dúvidas de que nenhum regimento da AR pode contraditar estes princípios e, daí, só o tal «acordo de cavalheiros», permitido pela opacidade da burocracia — que só é má quando é usada para o mal e do uso que dela fazem não tem culpa —, poderia conduzir a uma situação destas em que os Deputados saem vilipendiados, o Parlamento desacreditado, a Democracia, enquanto regime, debilitada, e o Estado protagonista da maldade e, por isso, impugnado na sua qualidade de «pessoa de bem».
Para agravar o mal, a reacção dos Deputados, quer individual, quer colectivamente, veio provar, como diz António José Saraiva, que «o Parlamento não esteve de boa-fé neste processo» 3, e que, como escreveu Ângela Silva, os Deputados «reagiram à polémica em que se viram envolvidos com o mais elementar corporativo sentido de sobrevivência» 4
É particularmente grave que Almeida Santos, o Presidente da Mesa, em entrevista a jornalista da revista «Visão», tenha considerado este processo de aprovação das leis como «inocente» e que «leis de todo o tipo, ao longo do tempo» tenham assim sido aprovadas nos mesmos termos, «Por exemplo, votações na especialidade do último Orçamento (...).», acrescentando que «Ninguém levantou o problema. Isto é um sistema que vai ao encontro dos próprios Deputados. É muito incómodo estar aqui três dias. Ninguém pensou em fazer uma fraude.» 5.
É claro que não, acrescento eu, porque a fraude está na impunidade em que vivemos, no laxismo em nos deixámos instalar, no facilitismo com que abordamos todas as questões, na impreparação triunfantemente arrogante que, desde 1985, assolou a classe política em Portugal. E se eu, Dr. Almeida Santos, copiando esse seu juízo (in)ético e (in)profissional, deixasse de cumprir as minhas obrigações de Professor às Segundas, Quintas e Sextas-feiras porque me «É muito incómodo estar aqui (na escola) 6 três dias»? E se os outros fizessem o mesmo?
Terá, então, razão António Barreto ao afirmar que «(...) o Parlamento se habituou a costumes que protegem a ilegalidade e que requerem, não poucas vezes, o recurso à fraude. Ou à forja de documentos. Não vale a pena pensar que uma voz moral pode reparar a situação e corrigir os erros. Ou se vai à origem dos problemas, ou é melhor estar sossegado. E a causa última é o regime de imposição partidária sobre os Deputados. Qualquer reforma tem de começar na liberdade dos Deputados, na sua função individual.»? 7
Comentando apenas as últimas duas frases, eu diria que tem, mas só em parte. A democracia baseada no individualismo, na «communitas», 8 também tem muitos problemas, o principal dos quais, no caso vertente, o da ingovernabilidade. Há, pois, que conciliar o indivíduo com o grupo. A organização dos indivíduos em grupos parlamentares, por Partido ou Movimento ou ainda Associação (no caso Português só no Partido), pressupõe os critérios de racionalidade e eficiência na negociação. Imagine-se, por exemplo, que o Orçamento de Estado tinha de ser negociado com cada um dos 230 Deputados.
É, evidentemente, muito mais operacional negociá-lo com três Partidos e uma Coligação. Só que, se não houver democraticidade interna no interior de cada Partido ou coligação, prevalece aquilo a que Paulo Otero 9 chamou a «democracia totalitária», com a marginalização dos membros do grupo pela direcção, assumida como fonte da «hierarchical community» 10 de Hobbes, isto é, de ordem e controle social, com efeitos devastadores na coesão social do grupo e do país e na perda de dinâmicas de mobilização e mudança.
Neste sentido, o voto de Daniel Campelo também é um grito de protesto contra a ausência de contrato social (da «contract community» de Rousseau e Durkheim), no interior de cada grupo Parlamentar e, por isso, um sintoma de que a democracia portuguesa está profundamente doente. Sociologica-mente, muito do abstencionismo dos Deputados deve ser visto também nesta perspectiva da sobreposição das Direcções sobre os indivíduos. E ainda neste sentido, o voto de Daniel Campelo não pode ser considerado ilegítimo, ainda que ilegal e inconstitucional à letra da nossa Constituição. Já agora, por que é que os Partidos da Oposição não impugnam o Orçamento de Estado com base nesta inconstitucionalidade legal, em Portugal, mas que é constitucionalidade legal e legítima noutros países?
Notas:
1 Vd. Presidente Jorge SAMPAIO: Comunicação ao País, no dia 5/11/2001, in «Expresso», jornal semanário, nº 1515 (10/11/2001), caderno 1, p. 4.
2 Seguimos o Texto Constitucional de 1976, incorporando as diferentes alterações pelas Leis Constitucionais 1/82, 1/89, 1/ 92 e 1/97, inserto em PORTUGAL, Governo da República Portuguesa: Diário da República, I Série A, nº 218, de 20/9/97, pp. 5130 – 5196. Lisboa: Edição da Imprensa Nacional – Casa da Moeda
3 António José SARAIVA, A Má-fé do Parlamento, in «Expresso», jornal semanário, nº 1515 (10/11/2001), caderno 1, p. 3.
4 Ângela SILVA, Câmara Corporativa, in «Expresso», jornal semanário, nº 1515 (10/11/2001), caderno 1, p. 6
5 Almeida SANTOS, Parlamento Aprovou Muitas Leis Nulas», entrevista a E.C., in Visão», nº 453 - 8 a 14/11/200, pp. 44 – 45)
6 A expressão entre parêntesis é minha.
7 António BARRETO, Erros, Vícios e Miopia, in «Público», jornal diário, nº 4255 (11/11/2001), p. 19)
8 Conceito introduzido na literatura sociológica por V. W. TURNER, 1974, The Ritual Process. London: Penguin e retomado por Gary EASTHOPE, 1975, Community, Hierarchy and Open Education. London: Routledge & Kegan Paul
9 OTERO, Paulo (2000): A Democracia Totalitária: Do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária. A Influência do Totalitarismo na Democracia do Século XXI. Cascais: Editora Principia – Publicações Universitárias e Científicas
10 Gary EASTHOPE, 1975, op. cit, p.6

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