Luis Ferreira

Luis Ferreira

Pára Pedro para não caíres

Durante séculos enchemos a boca com a façanha dos Descobrimentos e reclamámos para nós a primazia da chegada aos novos mundos e a novas gentes a quem levámos a nossa língua, a nossa cultura, o nosso saber e a nossa religião.

Durante séculos o mundo reconheceu essa extraordinária aventura portuguesa como ímpar na historiografia dos povos desses séculos tão longínquos ao ponto de não reconhecer qualquer alteração ao que nós realmente ensinámos aos povos por onde passámos e com estivemos. O orgulho nacional foi elevado durante muito tempo ao expoente máximo e dele fizemos bandeira que drapejámos em todos os continentes. 

Não entendi nem consigo entender as razões subjacentes à necessidade estapafúrdia de alterar a nossa própria língua escrita e fazer para isso um acordo ortográfico que mais não serve do que servir os outros que nem são portugueses, mas que sempre falaram português, aquele que nós lhes ensinámos. Sim, esse mesmo, com acentos, hífens, com consoantes mudas e com todo o resto que da língua fazem e sempre fizeram parte integrante. Nunca quis entender essa necessidade de mudança. Não me convenceram com os milhões que falam a língua portuguesa em todo o mundo, nem com os milhões que não sendo portugueses, falam o português que afinal lhes foi ensinado por nós há muitos séculos.

No Brasil sempre se falou a língua portuguesa, embora com as nuances que lhes são peculiares, mas não devem ser essas nuances linguísticas que nos obrigam a mudar a nossa própria língua, a mesma que nós para lá levámos e que eles aprenderam e falam até hoje. Eles sempre se deram bem com isso e sempre souberam falar a língua de Camões e com ela se entenderam ao longo dos séculos sem ver necessidade de alterar fosse o que fosse ao que aprenderam. Então porque haveria de alguém sumamente iluminado propor umas alterações a essa língua tão bonita e tão falada no mundo inteiro? Para mim serve a explicação de fazer o jeito a terceiros baseado em segundos acordos que nada têm a ver com o latim que nos foi transmitido pelos primeiros habitantes deste cantinho privilegiado e os seguidores tão bem privilegiaram.

Não aceito as explicações de comodismo de linguagem. A caneta escreve redondo qualquer frase que saia da cabeça de cada um de nós e só escreve o que na cabeça estiver certo. Acertem-se as cabeças pensadoras.

Felizmente ao fim de alguns anos de tanta especulação, tantos a favor e tantos contra estas alterações ortográficas, lá se fez ouvir finalmente a Academia que acaba de sugerir o regresso de acentos, consoantes mudas e do hífen ao famigerado Acordo Ortográfico. Claro que há agora outros problemas a ultrapassar e advêm do facto de ter havido estas espertezas saloias em tempo inoportuno e que se prendem com os alunos que já aprenderam a escrever de modo diferente onde facilitismo supera a ignorância ortográfica. A esses, que não têm culpa do que alguns adultos fizeram e outros tiveram de ensinar, resta-lhes fazer umas correcções e acomodarem-se a um português mais português e mais igual ao que os pais aprenderam.

Dou os meus para bens à Academia ao sugerir este acerto que não sendo um retrocesso ao acordo firmado, pelo menos esclarece alguns vocábulos que francamente, eram uma aberração à língua original de Camões, aquela que nós tanto louvamos e que continuará a ser um emblema da marca portuguesa. Nela se espelha a alma nacional pelos poemas de Bocage e Pessoa, pelos textos de Aquilino e nos contos de Torga. Como é bom voltar a escrever espectador em vez de espetador ou recepção em vez de receção ou pára quando é pára e não para em vez de pára.

Realmente não vale a pena confundir o que é simples nem simplificar o que não deve ser simplificado já que lhe retira o cerne semântico que o caracteriza.

É tempo de parar! Então, pára Pedro para não caíres! Ponto final.
 


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