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As palavras dos outros

Retrato de fernando
Fernando Campos Gouveia

As palavras dos outros

Já um dia defendi neste espaço o cidadão José Saramago contra críticas graves a escritos dele. Na altura (Maio de 2004) tratava-se de comentar algumas críticas injustas ao Ensaio sobre a Lucidez, onde muita gente viu um ataque às instituições, quando o livro colocava seriamente em causa a qualidade da democracia!

Tenho acompanhado a polémica gerada com o lançamento do seu último livro, Caím, que ainda não tive oportunidade de ler. Mas conheço suficientemente a obra do nosso Nobel para poder emitir algumas reservas quanto à autêntica crucificação pública de que tem sido alvo, em nome da religião católica (já agora, por que não em nome de outras religiões que contam com a Bíblia no seu património fundamental). Não me esqueço designadamente de idêntica campanha a propósito de outro livro em que se ficcionava a personagem de Cristo – o Evangelho segundo Jesus Cristo.

Penso que discussões como esta nos colocam num patamar pouco lisonjeiro da cultura europeia. O ataque feito há dias neste mesmo jornal por um prezado colega de coluna também me parece, salvo o devido respeito, construído com base falaciosa. Ou com base numa fé acrítica, o que aceito mas não posso apoiar em quem escreve. O que está em causa?

Quem lê para além dum texto, como deve ser o caso de leitores informados de livros de ficção, sabe que um livro não refaz a história, nem é um relato da realidade empírica. Uma obra de ficção inventa novos mundos possíveis, sai do domínio do real, mesmo quando se serve de figuras históricas para compor uma história ficcionada. Na confecção da sua história, um escritor deve gozar de toda a liberdade de composição, e foi no uso dessa liberdade de escrita que outros escritores publicaram livros controversos sobre símbolos de outras religiões, como Salmon Rushdie com os seus versos satânicos, alvo da ira dos muçulmanos e até duma condenação penal pelas autoridades religiosas. Ainda há dias vimos e ouvimos na televisão pública um escritor que, para além de o ser, é o principal apresentador do telejornal, declarar na apresentação do seu último livro que a maior parte do Corão é um texto de guerra, ou que incita à guerra. Do mesmo modo, o próprio Papa Bento XVI, numa intervenção perante uma plateia de académicos, pôde afirmar, com base na leitura dum autor doutra época, que o Islão é uma religião essencialmente violenta. E não são raros os incidentes com jornais que publicam artigos ou caricaturas de humor servindo-se de personagens da religião.

Para voltar a Saramago, parece que uma coisa é o livro, e outra, bem diferente, as palavras que proferiu na sessão de apresentação do mesmo. Como só conheço a polémica pelos jornais, parece-me que terá havido algum exagero de terminologia. O próprio Saramago já reconheceu isso no telejornal, ao declarar que um certo impropério nem podia ser utilizado em relação a Deus, dado que Deus, eterno e omnipotente, não foi gerado nem criado, visto que, segundo o dogma da fé, é aquele que é por si mesmo. Não poderia assim cometer-se uma injúria em relação à mãe de um Deus que não a tem. Que outras ofensas poderão agora sentir os crentes a propósito da leitura que Saramago faz da Bíblia? Acaso a interpretação da Bíblia é uma tarefa reservada a alguns eleitos? Quem poderá arrogar-se a autoridade duma interpretação autêntica dos textos da Bíblia? Na comunicação da mensagem bíblica, como de qualquer outra, o que interessa não é uma qualquer intenção explícita ou implícita dos autores dos textos, mesmo que se pretenda que alguns textos foram revelados pela divindade, mas a mensagem que chega a cada um dos seus leitores, os ensinamentos que o leitor de boa fé daí pode retirar. E a Bíblia, como qualquer outro livro, não tem um leitor ideal, informado, possuidor da revelação divina, sendo legítimo a qualquer homem livre lê-la e interpretá-la à luz da sua experiência de vida, eventualmente à luz da sua fé. Se Saramago faz uma leitura de alguns textos da Bíblia e emite a opinião de que alguns textos são violentos, que neles se narra o fratricídio, a vingança, uma certa justiça divina desproporcionada segundo padrões humanos, o sacrifício de inocentes, etc, quem pode negar-lhe esse direito? Na realidade, é possível fazer essa leitura dos textos bíblicos. O entendimento metafórico dos textos pode levar a outra leitura, mas nem por isso a leitura linear é ilegítima.

A propósito do tratamento de Cristo e Maria Madalena no Evangelho segundo Jesus Cristo, os salvadores da fé também invocaram ofensas à religião, à fé e aos católicos. Esse eu li. E o que entendi da controversa passagem em que se descreve o encontro da personagem Jesus com a de Maria Madalena foi um verdadeiro hino de amor e redenção, uma formidável manifestação da profunda humanidade e generosidade de Cristo e o espantoso propósito de redenção com que Maria Madalena se propõe fechar a sua casa ao pecado público para se entregar a um amor superior, redentor. Quem viu nessa passagem algo de obsceno é porque tem essa obscenidade na sua própria cabeça, nos seus preconceitos. Saramago não chafurdou nas fraquezas humanas das personagens, mas elevou-as com essa descrição a um plano superior de humanidade.

Por isso, e para deixar assentar o pó dos dias, antes de ler Caim, talvez releia esse livro espantoso que é o Evangelho segundo Jesus Cristo. Mas, com as experiências anteriores a propósito destas polémicas entre escritores e guardiães da religião, apetece-me terminar com as palavras de Cristo: quem nunca pecou que lhe atire a primeira pedra. E então teremos muitos católicos a deverem fazer o seu exame de consciência sobre posições públicas a propósito de outros símbolos de outras religiões, a começar, como vimos, pelo Papa.

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