Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os trunfos da Régua

Acontece muitas vezes. Uma pessoa tem ou pode usufruir de coisas muito boas, a páginas tantas até as utiliza mesmo, mas nem disso se dá conta dado que as dá como adquiridas e até mesmo lhe passam ao lado da percepção mais imediata por as ter absolutamente naturais. Algo assim como se esta ou aquela maravilha natural ou obra feita sejam como alguém que se vê todos os dias e cuja falta só se sente em ocasião de ausência.
Por exemplo, olhemos ao que se passa na Régua, cidade de gente amiudadamente crítica sem consequência, mas também nem sempre de plena consciência e muito minguada de acção. Terra que já foi de pedir meças às primeiras do interior do território nacional no que respeita a dinâmicas empresariais e inclusivamente sociais, foi mirrando a olhos vistos sem que conseguisse criar no seu interior forças com alento de maneira a que mantivesse a passada no ritmo do caminhar rumo ao desenvolvimento.

Deu-lhe o trangalomango, já dizia João de Araújo há uns cinquenta anos, quando a procissão ainda ia no adro no andar para a retaguarda que continuou mesmo no tempo das vacas gordas e dos fundos comunitários que semearam obras e equipamentos ao Deus dará em tudo o que era localidade deste Portugal, canteiro à beira mar plantado e junto deste aparentemente sempre florido.
Contudo, apesar da falta de vigor na jornada na comunidade, a Régua, de tantos serem os seus atributos naturais e de tão evidentes serem as suas potencialidades intrínsecas, foi-me mantendo minimamente vistosa tirando um ou outro ferrete no seu belo rosto. Naturalmente graciosa, pelo menos vista ao longe, não deixou de encantar os seus visitantes. Não é ainda hoje altaneira, pois nunca o foi, nem no tempo em que foi pioneira em tudo o que é associação de classe ou de acção cívica, mas está prestes a atingir um o patamar que dá a qualquer urbe condição de ser tida como sítio em que vale a pena morar.

Neste aspecto tenho para mim que este modo de sentir vai muito de cada um e de mais aquilo que se procura na vida a dado momento e em termos mais imediatos. Por isso, não é de agora a ideia que tenho de que vale a pena estar por aqui. Não se me desinquieta o espírito por ansiar dependurar o pote em qualquer outro lugar que não este canto do Douro perto do meu torrão natal.

Obviamente que a cada cidadão deve obrigatoriamente corresponder a luta à medida dos seus anseios para que os mesmos se alcancem, assim como deve competir aos poderes públicos proporcionar as condições para que as necessidades materiais e culturais dos habitantes da sua Pólis sejam equilibradamente supridas, nunca olvidando que a coesão e a força desta estão proporcionalmente ligadas à noção de satisfação sentida pelas pessoas que lhe moldam a malha estrutural.

Na Régua, se virmos bem, começamos a ter quase tudo, depois de termos tido quase nada. Já há uns anos a esta parte referi que o reguense sofre do síndrome de perda de tanto ver esvair-se a terra na sua importância em comparação com tempos idos. Mas agora, acho que se está num ponto que pode ser de viragem. Não que ache que se vão reabrir serviços encerrados ou que novos se vão implementar. Infelizmente, aqui como em todo o interior o desmando de quem manda e de quem tem mandado, semeia a desertificação e espalha a exclusão.
O trunfo da Régua, a par de alguns equipamentos essenciais ultimamente surgidos, está naquilo que tem e que quase mais ninguém pode ter. Falo daquilo que lhe é prodigiosamente natural, algo que deslumbra a olhos vistos e que se mete pela alma adentro de quem por ela se passeie junto ao lençol de água que lhe dá a essência e a forma.

Quem duvide, só como exemplo, que laureie a pevide na sua zona ribeirinha, que visite o Museu do Douro e distenda o espírito na sua esplanada num final de manhã ou num final de tarde, que exercite o físico no seu ginásio ou na sua piscina, e depois que diga alguma coisa. Digo isto, porque palavra de honra que têm sido muitos aqueles que ao cá chegarem se espantam, e que ao despedirem-se lhes cresce a pena por não poderem ficar um pouco mais. A sério. Sou testemunha disso.


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