Manuel Igreja

Manuel Igreja

Odemira não é de se admirar

Odemira é de digna de se mirar, mas neste momento não o é de se admirar por via daquilo que por lá se está a passar. Bem antes pelo contrário, é de a todos nos envergonhar.

Enquanto pessoas que veem, ouvem e leem, enquanto cidadãos, não podemos ignorar. Temos de exigir. Não podemos consentir um Estado que falha em toda a linha, um Estado que granjeia e deixa granjear confusões à pinha como se andar mal seja nosso destino. Um desatino.

Um país que há meio século quando era pobre entre os pobres, viu milhares de pessoas suas que nem heróis partirem para outros países à cata de melhores formas de ganhar o pão de cada dia, não pode agora que é pobre entre os ricos, permitir que os que recebe serem reduzidos a pouco mais que à condição de escravo. Não pode!

Os nossos que se foram, arrojaram. Não temeram e foram para mundos desconhecidos vencendo o medo dos Adamastores do século XX que se afigurava com uma modernidade impedida de cá chegar. Passaram as passas do Algarve, sofreram e venceram. São dignos.

Eram do povo, deste povo que com sabedoria diz que por vezes há males que veem por bem. Não fosse o drama global a que fazemos face e quase apetece dizer que também ainda bem, salvo seja, se registou um surto de vírus na planície de hortas cobertas a plástico e de campos verdes da cor de limão agricultados à força de químicos.

Por causa do mal que por lá se espalhou se descobriu a vergonha que até agora e desde há anos alguns teimavam em tapar para que se não soubesse e se não visse. Varreu-se o incómodo para debaixo do tapete, assobiou-se para o lado e seguiu-se em frente deixando andar ao Deus-dará. As consciências não impediam os adormeceres. Semear e colher era preciso.

Todos sabiam que por lá grassava a escravatura. Todos sabiam que por lá por entre os morangos apetitosos floria e escorria a maldade. Mas ninguém se importava que seres humanos fossem diminuídos até ao mais ínfimo nível de dignidade. Ninguém lhes respeitou os sonhos porque urgia cultivar mesmo sem respeitar.

Empresários, responsáveis políticos, gente de longe e de perto, todos se renderam aos insondáveis desígnios dos interesses económicos de alguns que levaram a que se trocasse riqueza produzida por promiscuidade permitida. Foi o ter de ser, porque a assim não ser, se diminuía a rentabilidade dos empreendimentos travestidos de desenvolvimento mais suposto que efetivo, pois nada tardará que os investidores deixem os plásticos ao vento.

Agora que se destapou a situação, foi a maior confusão. Atabalhoadamente tentou-se correr atrás do prejuízo à pressa e sem tino. Usou-se a força dos fortes junto dos fracos ansiando-se pelas parangonas nos jornais no entretanto em que as frutas apodrecem e se espalha o pânico entre os filhos de deuses menores que se encontram a milhares de quilómetros de casa.

Portugal não soube ser e não soube estar. Por isso, neste caso em concreto não é de se admirar. Infelizmente não é coisa para muito espantar. Reage, mas não age. Não antecipa e não faz melhor. Ainda bem que há exceções, mas esses vão-se embora. Saem e voltam de quando em vez.

Miram-nos lá de longe, com um ligeiro rubor nas faces. Não admira !.


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