Há épocas assim na vida das nações, mas, na nossa, repetem-se com muita frequência. Após um período de relativa prosperidade ou de algum entusiasmo à volta dum projecto, mergulhamos na depressão, no desânimo, num individualismo anárquico em que cada um se refugia no salve-se quem puder !
Em ditadura, estas épocas conduziam-nos ao acabrunhamento, ao silêncio desconfiado, ao aconchego das nossas insuficiências seculares; em democracia, dá-nos para o berreiro, para a indisciplina e para atirar as culpas para os outros.
É certo que a hora é de apertar o cinto, depois de alguns anos de exibicionismo bacoco sustentado por crédito fácil e por subvenções da Europa, e isso não agrada a ninguém.
Para equilibrar as contas públicas, o governo só tem os dois pratos tradicionais da balança, e tem de actuar nos dois: aliviar o prato da despesa, pôr um pouco mais de peso no lado da receita. Mas a questão está em saber quais as despesas a congelar e as receitas a aumentar. Pela escolha que faça, o governo dará um impulso à solidariedade social ou, pelo contrário, privilegiará a protecção das empresas na esperança de que estas invistam. A cada uma destas opções é que se chama governar à esquerda ou à direita (e não me venham dizer que as ideologias acabaram ).
Qualquer que seja a escolha, a recuperação económica exige disciplina social, sem dúvida, mas esta é exigível a todos os cidadãos. O combate ao absentismo não pode fazer-se sem o correlativo combate ao trabalho precário e aos despedimentos selvagens; a moderação salarial não pode pedir-se sem o combate à escandalosa evasão fiscal dos mais poderosos; o investimento numa economia sã, geradora de riqueza social e de empregos, não pode fazer-se enquanto se protegerem as actividades paralelas dos paraísos off-shore; a produtividade não passa apenas pela disciplina laboral, mas principalmente pela adopção de métodos eficazes de gestão, transparentes, competentes e controláveis; a arrecadação dos impostos em dívida não pode dirigir-se principalmente aos milhões de pequenos devedores (muitos deles já mortos), sob pena de se esgotarem as energias da administração fiscal e dos tribunais para arrecadar tostões e julgar processos em falhas; a situação aconselha antes uma rigorosa selecção de objectivos centrada sobre resultados, devendo a acção dirigir-se aos grandes devedores (que são poucos) e devendo concentrar-se os meios na luta implacável pela regularização dos grandes processos.
Finalmente, não há recuperação possível se as instituições não forem credibilizadas. E estamos a assitir à degradação diária da autoridade do Estado e do respeito da lei. Violar a lei e afirmá-lo em público passou a ser moda, dá estatuto:
- São os de Monsaraz a dizer que, com autorização ou sem ela, fazem e acontecem. Em Monsaraz não me chocou tanto a violação da lei como o dircurso de desafio (nunca ouvi falar deles quando o bravo povo de Barrancos se mobilizava para defender a sua tradição que, merecidamente, lhes viria a ser reconhecida);
-São os motociclistas que desafiam a lei numa avenida de Lisboa onde circulam pacatos cidadãos e botam discurso na televisão, esquecendo-se de que têm de travar uma justíssima luta pela segurança nos rails das autoestradas;
-São os bêbados da estrada que continuam a provocar acidentes e têm direito de antena para clamar inocências quando são chamados à responsabilidade pelos seus crimes;
- São os incendiários que querem fazer do país um deserto de cinzas para satisfazer pequenos interesses individuais;
- São, por fim, todos os desleixos funcionais, desde os balcões do serviço público aos serviços hospitalares, da antipatia endémica de quem nos atende nos restaurantes à indisciplina nas escolas, do abandono de tentativas profissionais sérias e sólidas para procurar o biscate na publicidade ou no marketing, de prefereência na praias e sem horários de trabalho, enquanto o fundo do desemprego paga os copos e o tabaco.
As coisas assim não vão lá. Exijam-se responsabilidades políticas a quem as tem. Mas o esforço nacional não é apenas exigível ao governo ou aos partidos. Os portugueses têm de saber se querem um país a sério ou se preferem ser párias numa Europa que, mais cedo ou mais tarde, lhes explicará como se fazem os países.