Perante milhões de olhares, um rapagão de vinte e quatro anos, sorriu, dobrou-se sobre si mesmo, tombou desamparado para trás, e morreu. Toda a fragilidade do ser humano, ficou em escassos segundos, absolutamente demonstrada naqueles breves instantes de um dia daquele mês de Janeiro dos tempos modernos, de tecnologias de ponta, e das indiferenças múltiplas.
Se a morte fosse algo que se almejasse, quase apetecia desejar semelhante fenecer para todos os homens e para todas as mulheres deste nosso mundo, que mais parece desandar que andar por tanto nos faltar o tino.
Perante a tragédia suprema daquele homem ainda jovem, logo milhões de portugueses fizeram a dor também sua, a ponto de parecer que a vida que ali se perdeu seria de ente querido, sangue do mesmo sangue, que foi levado nas asas negras do anjo da morte em breves instantes.
Era o lado poético de um povo que mesmo arredado dos saberes dos académicos por falta de senso de quem manda, faz de poetas e escritores heróis maiores merecedores de todas as honras.
Mas neste quadro não faltou quem borrasse a pintura, e não faltou quem explorasse a emoção que jorrava a rodos. Foi um fartar vilanagem, e às televisões que nos governam não faltou assunto para ao longo de horas e mais horas ocuparem as suas ocas emissões.
Explorando ao máximo a ideia de que uma má notícia, é uma boa notícia, não tiveram problemas em transformar a morte do rapaz que feneceu depois de sorrir, num deplorável espectáculo, onde não faltaram os ursinhos amestrados a debitarem banalidades com ar circunspecto e tristonho.
Não faltaram artistas, trapezistas, malabaristas e outros que tais, que pelando-se por um lugar na fotografia, se não aperceberam do seu triste e tonto papel, naquela cena de final grandioso porque digno, mas indesejável porque doloroso.
Se o palco não estivesse sob as luzes da ribalta, o mais certo era nem aparecerem, pois um rapaz que morre, é mais um que se vai, e uma morte não passa de uma mais quando dela não provem qualquer proveito para os fins a atingir, sempre na melhor das intenções e para bem de todos, ou não sejam esses os pressupostos da sua acção.
Mas aqui, neste acontecimento infeliz, num país que muito finge que o não é, e pouco faz para deixar de o ser, as luzes incidiam sobre o acto da tragédia dos outros, e o povo tocado por um sorriso infinitamente distante da morte, ávido de sensações fortes, e de morbidez que basta, especado, não desviou o olhar.
Contudo, fica-nos o lado positivo que nos advém do facto de sermos capazes de por via de uma mão cheia de lágrima vertidas por causa do sofrimento de um povo como o de Timor, ou por causa de um sorriso de um homem pouco mais que menino, sermos capazes de nos mobilizarmos como mais ninguém o sabe fazer, mostrando ao mundo que as coisas por cá ainda vão valendo a pena, pois não temos a alma pequena.