Segundo a lógica das coisas, num regime politicamente democrático, os partidos políticos representam antes de mais o sentir e o pensar dos cidadãos a quem destinam as suas palavras e as suas acções. Quer isto dizer portanto, que os partidos devem sentir dentro de si próprios os anseios do seu país, conseguindo ler a cada o momento os estados de alma do seu povo, ao mesmo tempo que tudo fazem para lhe agradar e para irem ao encontro dos seus verdadeiros anseios. Por sua vez, o povo soberano, escolhe livre e conscientemente a organização partidária que tem como a mais própria para nela delegar os seus poderes e a sua representatividade. É se não um casamento perfeito, pelo menos a pior união com excepção de todas as outras.
Vem esta prosápia em jeito de filosofia a propósito de certas coisas que aconteceram recentemente na política portuguesa, as quais me parecem irem ao invés destes basilares princípios, e as quais passo a referir, com sendo aquela situação em que por unanimidade, todos os partidos políticos com deputados no Parlamento nacional, acharam por bem alargar imenso pelo menos em termos do que era antes e do que se pretende agora, a possibilidade de receberem contribuições em dinheiro vivo de particulares para as suas campanhas e para os seus gastos.
Em ano eleitoral triplo, mas num tempo em que a crise económica e financeira é a principal preocupação e o principal motivo de conversa, os doutos mas nada sensíveis senhores, juízes em causa própria, não tiveram problemas em abrir caminho para o jorrar de dinheiro. É assim como quem vá regar batatas, e esperando pela água de consortes, lhe abre o rego de largura suficiente para que aguente o caudal, mesmo que esta passe pelas hortas ressequidas dos vizinhos sem lhes molhar a terra. Conheço casos em que assim se passa, com a felizardo a piorar a situação gabando-se da verdura e da excelência dos seus produtos em comparação com os dos outros quem nem o precioso líquido viram.
Começada que seja a primeira campanha eleitoral, irá o meu caro leitor ou leitora ver o regabofe que vai acontecer com todos os meios possíveis e imaginários a serem utilizados para nos convencer da justeza das ideias e da eficiência assegurada das medidas preconizadas por cada partido. Como para isso é necessário dinheiro, e como quem mais o tiver, pensa-se, melhor chega a cada um de nós, há que arranjar meios de o conseguir e de alargar os limites da algibeira. Nada de mais nisto, desde que a transparência impere. O problema é que os que dão, esperam sempre receber algo em troca. A melhor maneira de se evitar confusão e distorção, será pois toda a gente saber quem deu o quê e a quem.
Não será pois por aqui que se situa o busílis da questão. Quanto a mim, o ponteiro bate no sítio da tal leitura que os partidos devem fazer dos anseios dos cidadãos e mais na sensibilidade no trato. Presentes fossem estes, e logo veriam os sôfregos senhores que jamais poderiam neste tempo escuro em que vivemos, virem procurar criar condições para que o sol brilhe nos seus nabos. Em dias de aflição e de contenção, nem sequer deviam falar de dinheiro, de fundos, e de custos, pelo menos deste jeito sem tino. Tinham de ter a noção de que mais uma vez desgraçadamente ficariam mal na fotografia. A ideia que as pessoas comuns como nós deles fazem já anda pelas ruas da amargura, quantas vezes sem justiça diga-se, mas eles têm gosto ou poucos lhes interessa que fique ainda mais enlameada. Parece pelo menos.
Será sinal dos tempos que mais parecem andar trocados. Há alturas que mais se afigura que anda tudo grosso para não dizer outra coisa menos própria. Fala-se e trata-se de tudo e de mais alguma coisa, o acessório substitui o essencial na discussão pública e na privada, diz-se uma coisa, mas faz-se o seu contrário com todo o desplante, e mais parecem estes ser dias de fim de império como nas eras clássicas. Tudo anda vertiginosamente à roda, milhões procuram onde se agarrar, mas não encontram pedaço firme, nem chão seguro. Olhámos para cima e o tecto surge-nos esburacado e sem segurança para as intempéries que se adivinham.
O edifício nobre da democracia mais parece o chapéu de um pobre. Compete-nos não o deixar ruir.