Anteriormente se bem se lembram, escrevi neste canto um artigo sobre a beleza do sorriso de Miklos Féher que antecedeu a sua morte durante um jogo de futebol do campeonato nacional.
Neste que agora se desenrola da minha pena, só pretendo dizer que se lá no local para onde ele foi, e nós havemos de ir, virem o que por cá se passa, o nosso herói por dois dias, deve rebolar-se de indignação, e sobre o seu rosto deve desenhar-se não um sorriso bonito, mas antes um esgar de choro.
Choro, não por desta cedo se ter ido, pois ao que dizem por lá são muitas as
bem-aventuranças, mas sim pela poucas vergonhas que se passaram no mundo da bola, depois de passarem as lágrimas de crocodilo vertidas por sua causa.
Logo no jogo imediato disputado naquele mesmo estádio, sobre a mesma relva onde tombou inerte o corpo do jogador muito homenageado, os seus colegas do tempo de vivo, andaram ao murro e ao pontapé, de imediato secundados pelos adeptos, dirigentes e outros de igual laia e condição.
Depois no final de um outro jogo entre duas das principais equipas, altos dirigentes dos clubes que nem Nero a incendiar Roma, exacerbaram os ânimos próprios e os alheios, numa atitude irresponsável que só não fez arder tudo que nem lume em palheiro velho, vá lá saber-se porquê, ou quem sabe, porque no reino agora de Mihlos existe algo que tal impediu.
Se assim foi, ainda bem, que para desgraças já chegam as que vamos tendo, e já basta a desdita de aturarmos tais senhores da triste figura, que fazem o país fazer figura triste mediante os nossos parceiros de Comunidade, que aos outros lhes não chegam tais desmandos, e nem eles nos interessam tanto.
Perpetradas que foram as poucas vergonhas, vieram e vêm depois os ditos senhores e outros que tais, todos aflitos dizendo que assim não pode ser, que assim se vai por água baixo o prestígio que fez com que nos dessem a organização do Campeonato da Europa do esférico rolando sobre a grana, o que ao que consta muito pode prejudica-nos a todos, como se o facto de por causa disso se terem gasto milhões e mais milhões, e megalómanos estádios
não fosse já prejuízo até mais não poder ser.
Palavra que se não fosse por causa do patriotismo, esse sentimento que como todos nunca assenta na razão, quase apetecia dizer que as coisas deviam correr mal, só para ver se as figuras, as figurinhas, e os figurões da bola aprendiam a ter tento, tino e elevação naquilo que dizem, e naquilo que praticam.
Temo já, aliás, o seu ar de perus inchados, se as coisas por artes e por sortes correrem a contento, como de igual modo temo a euforia colectiva e a alienação quase total, que vai tomar conta deste país feito de um povo que não raras vezes troca o essencial pelo acessório, como se a vida mais não fosse do que um faz de conta, e que é governado por gente que passa os anos a fazer de conta que faz.
Colocadas as coisas nestes termos, e voltando ao desinfeliz moço que se definhou depois de sorrir, quase apetece pedir-lhe que não deite lágrima por via de nós, e que se possível enviei algum senso a muitos dos que perante ele inerte dissertaram sobre a frágil condição de se estar vivo, mesmo quando se sorri, pois logo o sorriso pode virar choro.
O Choro de Miklos

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