Alguma coisa tinha de mudar na forma de fazer política em Portugal. A resposta do eleitorado em Fevereiro exigia uma nova linguagem e novas atitudes. Parece que alguns políticos entenderam a lição; outros continuam enquistados na velha demagogia das lógicas fáceis, do populismo rasteiro, da mistura escabrosa dos diferentes planos da vida nacional.
A derrocada de Santana Lopes e o sucesso, ainda que relativo, de Marques Mendes no congresso que o elegeu como novo líder do PSD permitiram-lhe reavivar potencialidades de regeneração que se sabia existirem mas se encontravam na sombra. Claro que a velha guarda pretoriana dos intereses instalados havia de reagir, e não perdeu a primeira oportunidade. As próximas eleições autárquicas são um enorme teste à capacidade do líder, mas são também uma prova importante para o PSD. A questão que Portugal se coloca é esta: poderá contar-se com um PSD restaurado, reintegrado nos seus valores cívicos e na sua história de protagonista essencial duma certa via de desenvolvimento político, económico e social à imagem dos seus grandes momentos do passado? Ou terá de aceitar-se, em nome de não sei que realismo político, a sobrevivência nos órgãos autárquicos de políticos gastos por anos de conflitos de interesses, de escândalos e trapalhadas?
A guerra de trincheiras que alguns iniciaram contra Marques Mendes pode analisar-se desta forma: o líder quer apresentar ao eleitorado uma imagem limpa; foi eleito para isso e para isso conta com o apoio da Comissão Política. A esta compete arbitrar eventuais escolhas das bases concelhias ou distritais. É evidente que tais escolhas devem ser respeitadas, excepto quando possam pôr em causa a tal imagem nova do Partido que ao líder cabe defender. Mas se alguma razão haverá neste conflito, ela será a razão do bom senso: uma escolha local deve ser inviabilizada se, no entender da direcção central, não corresponder à imagem desejada.
A questão de Gondomar ou de Oeiras é muito simples: a escolha dos órgãos locais, por muito democrática que seja, pode perfeitamente obedecer à mesma lógica que torna os candidatos propostos uma má escolha do ponto de vista da direcção central. Uma certa forma de fazer política pode ser eficaz para recolher uma forte votação local, mas pode representar a termo um enorme prejuízo para o Partido no seu todo. Os autarcas têm nas mãos alguns poderes que lhes permitem ser populares ou mesmo populistas, mas, em certos casos, a interpenetração de interesses alheios à boa administração pode muito bem fazer desses políticos pequenos régulos locais com interesses que ultrapassam os do Partido ou são até contrários ao interesse do Partido, para nem sequer falar dos interesses do País. Os exemplos estão à vista: em Felgueiras, o PS terá de sofrer muito para limpar o lodaçal da autarca revel. Deveria então manter-lhe a confiança só porque ela tinha apoio local? Não, a acção da justiça não deve ser entravada pelos votos, e um Partido não pode deixar-se emporcalhar pelos actos dum autarca.
A arrogância demonstrada pelos candidatos agora preteridos assenta em mecanismos de poder que justamente se pretende ver banidos da política, e Marques Mendes merece uma palavra de apreço dos portugueses pela coragem que demonstra ao enfrentar velhas raposas nos seus domínios. O que se espera é que leve a missão a bom porto, apesar da chicana que vai pelos órgãos de informação, com ataques pessoais que revelam a estirpe de quem os usa. Para exemplo de outros, no partido dele e nos outros, coragem e coerência, precisam-se!