Manuel Igreja

Manuel Igreja

Não quero ir para o futuro

Nem sei bem, mas às vezes, apetece-me fincar os pés no chão até fazer dois regos, para ver se consigo parar o mundo. Não que queira ficar preso no presente ou voltar ao passado, mas se pudesse não ir para o futuro não ia. A sério.

Não que o tema, ou que não saiba que desde sempre a cada geração que se renovava se achava que assim é que se estava bem, e que o fim do mundo se avizinhava por causa da corrosão dos costumes, ou devido a invenções que à época pareciam coisas do mafarrico, mas agora é diferente.

Podem vossas senhorias acreditar que até me custa escrever isto, para não dizer que são as teclas que se mexem por elas próprias como se tivessem autonomia no desenhar dos voltas e reviravoltas que dão forma às letras que de mãos dadas formam as palavras, mas as coisas são o que são, e não vou agora desmentir-me.

Está dito, está dito. Não quero ir para o tempo que há-de vir. Mas vou, pois não sou pessoa de se ficar à espera e a ver o que a coisa dá. Avancemos pois então, já que a única coisa permanente é a mudança. Siga a marinha sempre em direção ao nascer do sol, pois há sítios onde agora já é amanhã. Depois, eu não tenho quereres, e os creres tendem a ser cada vez menos.

O certo, é que de oras em quando olho em redor em jeito de periscópio, imagino o que vai ser o que está para vir com base no que está a suceder, e sinto instalar-se-me um certa descrença e alguma falta de identificação com a obra que estamos a construir com os ladrilhos que fazem de calçada nos caminhos da vida.

Começo que a sentir que cada vez mais o ser humano se está a despedir desta sua e exclusiva condição se tornar em algo híbrido, numa coisa mais automática que lúcida, muito inteligente, mas de poucos sentimentos, altruísta mais para que se veja do que para que se seja, e egoísta até mais não poder ser.

Tem tudo à mão e pode construir um mundo melhor para deixar aos seus, mas chuta tudo com o pé em direção ao precipício. Chegou a um ponto em que através das máquinas que desenvolveu e desenvolve acrescenta riqueza a toda a hora, mas distribui-a mal e injustamente, e nada tarda ficará refém das tecnologias que inventou.

A soberba escondeu o norte orientador e o mundo torna-se a cada dia que passa mais amalucado. Desorientado gira me torno do umbigo de um punhado de ilusionistas que enriquecem sem que cresçam ao ponto de saberem que se não pode queimar dinheiro e recursos para se aquecerem egos infindos ao mesmo tempo que milhões passam fome e frio no mais absoluto desalento e no mais inqualificável sofrimento.

Na nossa modernidade, os efetivos detentores do poder equipados com muita sabedoria para multiplicarem as riquezas de que são donos, mas sem a chama que cá dentro nos faz não esquecer o que somos feitos deuses menores afiançam-nos que é possível viajar até muito por cima das nuvens, e quase deitar mão ao azul que vemos no céu. E vai sendo.

Mas porque se me afigura que o futuro já não é o que era, não me apetece ir até ele. Temo que pela primeira vez no tempo que a Humanidade tem que é muito, mas não deixa de ser umas breves horas na escala cósmica, pela primeira vez, dizia eu, não estamos a fazer a ponte de um presente que tem vindo a melhorar a cada geração, para um que está futuro que pelo menos prometa ser bom.

Mas pode ser que não. Num dia destes algo nos acerta o passo e nos reduz à mera condição fazendo de nós mais inteiros e por isso mais atentos e solidários. Estou em ter para mim que os netos dos nossos netos, ainda irão dizer aos seus filhos que para a frente é que é o caminho. Rumo ao futuro.


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