Manuel Igreja

Manuel Igreja

Matam-nos o Interior

Matam-nos o interior. Agora fala-se para aí de que pelo menos metade das Repartições de Finanças vão fechar portas. Haverá algum exagero neste número, mas serão garantidamente umas boas dezenas. Alguém deve ter feito as contas e deve ter concluído que não davam lucro. Na cabeça de certos senhores, só devem existir gráficos, assim como se o mundo mais não fosse do que uma folha de cálculos em que se não espelha nada mais do que aquilo que está rente aos olhos.

Soberania, ordenamento, equilíbrio demográfico e territorial, identidade, tradições e costumes, são conceitos que não sendo imediatamente mensuráveis, também não são tidos como consideráveis na capacidade analítica de quem obrigatoriamente deve enxergar muito para além de até onde a vista alcança. Cegos, surdos, e avaros por dinheiro para que se tape o enorme buraco escavado ao longo de décadas, só conseguem conjugar o verbo cortar.

Fazem-no por nós e pelos nossos, dizem-nos, por isso lhes não devemos nem podemos ser remisgas nos agradecimentos. Muita sorte tem um povo como este que somos, ao ser servido por tão doutos senhores, disponíveis para o alto serviço público que é este de nos levarem pela mão na via do empobrecimento, para expiação dos nossos pecados germinados na malandrice e na gula por tudo o que é do bom e do melhor ao jeito de quem é rico e tem alguma coisa de seu.

Postos da Guarda já se foram de muita vila, assistência médica idem em aspas, serviços do mais variado género foi um vê-se- avias a colocar o ferrolho nas portas, agora são as finanças, e mais semana menos semana, outra coisa há-de ir-se daqui para ali, pois diz-nos a experiência, que tais andanças levam sempre a mais contas e a mais espaço livre para os ratos. A seguir virão os fantasmas, que esses pelam-se por sítios sem vivalma e predilectamente pelo negrume da noite, que é quando o susto é de mais horror.

Caso os tais insignes senhores se dessem ao trabalho de rebuscar um pouco os ensinamentos de história dos seus tempos da escola secundária, logo veriam que desde sempre, ou por exemplo, desde que se delimitaram as nossas fronteiras depois de corridos os mouros à espadeirada, a primeira coisa que se fazia, era ocupar o território com pessoas, por ser esta a única maneira de se garantir a posse e se sustentar a coesão social na ordem das coisas que se impunha implementar.

Não se tem conhecimento, de que este ou aquele suserano, tenha feito as contas a quanto custava dar-se privilégio a este ou àquele concelho para que nele se instalassem populações activas a quem valesse a pena dar raízes em chão repartido, mas que no seu conjunto dava forma e força à ideia de Pátria. A nossa chamou-se e chama-se Portugal e pode orgulhar-se de com esta visão dos nossos primeiros reis, ter sido para o bem e para o mal uma das primeiras nações da Europa territorialmente delimitada e socialmente organizada.
Chão que não pisamos deixa de ser nosso, sempre se ouviu os mais velhos dizer. Pena, é que não o tenham escutado os governantes, estes e outros antes, que a coisa não é de agora, A falta de estaleca que permite governar e planear, infelizmente já vem de trás. Está-nos na essência, na proporção inversa do jeito para o improviso que apesar de tudo e até agora, nos tem permitido ir andando e ir tendo pessoas em todos os cantos de Portugal.

Chegamos no entanto a um ponto em que não mais há lugar para desenrascanços e em que se exige coragem e inteligência nas decisões, sejam elas grandes ou pequenas, de efeito mais imediato, ou de efeito mais longo. Falta contudo e infelizmente isto e muito mais, neste tempo de esconjuro, quer a quem governa, quer a quem é governado. Com toda a pressa, porque dizem que não há tempo, corta-se a eito sem olhar como. Sangra-se o país ao cheiro e à forma das ordens da usura. Abandonam- se os velhos, escorraçam-se os novos, desertificam-se as regiões, esvaziam-se os sacos das ilusões, envenena-se a esperança.

Um dia destes, vai alguém querer hastear bandeira nacional cá nas terras de dentro, e não vai ter edifício público em que o faça. Portugal está moribundo e para muito boa gente não se recomenda. Sucede que lhe mataram o interior e continuam a fazer esmorecer os interiores de muito boa gente que sempre foi de antes quebrar do que de torcer. Por isso é que acredito que nos levantaremos nem que a vaca tussa. Vão ver.


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