Manuel Igreja

Manuel Igreja

Linha do Douro: Também somos filhos de Deus. Homessa.

Os autarcas da nossa região pobre região rica, reuniram-se recentemente para darem conta à Companhia dos comboios da sua preocupação acerca da pouca-vergonha que se passa com o transporte de passageiros na Linha do Douro, em tempos uma das mais emblemáticas e importantes de Portugal. Não era uma Linha qualquer. Foi uma das mais utilizadas para já não falar no que a envolve e que faz dela uma das mais bonitas vias de circulação no nosso país e no mundo.

Acontece que por estes dias de verão tórrido a lembrar os de antigamente, quando se assavam sardinhas nos carris no Tua, o serviço que já era ao nível do terceiro mundo, assumiu características ainda piores bem capazes de fazer corar um qualquer responsável que se preze. As locomotivas fora de época e ronceiras que vieram substituir outras em nada uma vez que pouca diferença se nota, quase se desconchavam e não chegam para as encomendas. Dado o enorme afluxo de gente, já nem para se viajar enlatado como sardinhas se consegue.

Alguns esforçam-se diariamente para se tornar atrativa a região perante os turistas nacionais e estrangeiros, mas ao mesmo tempo, outros acomodados em aveludados gabinetes, por desleixo, incompetência e desconhecimento do território, tudo fazem para que a jornada ao Douro vinhateiro seja um suplício e experiência a não se repetir nem se recomendar.

Não será de propósito o petardo lançado à região que tanto dá a tão poucos, graças ao esforço hercúleo de muitos. A questão já de trás. Vem do tempo em que por falta de visão se sacrificou no altar do alcatrão o meio de transporte do futuro que é o caminho-de-ferro. Conforme velha tradição lusa, andou-se ao arrepio do que era inteligente.

Interesses se levantaram e implementaram graças ao modo de ver provinciano de quem decidia. O comboio em Portugal perdeu galhardia e quase deixou de apitar para dar a possibilidade aos automóveis luzidios e propiciadores de suposto estatuto na escala social à medida das vaidades de cada um. Coisas cá muito nossas.
Regressando à Linha do Douro, cada vez mais a linha do nosso descontentamento neste estio que vai para cima de meio, anunciador de muitas mais passageiros nem que seja até ao lavar dos cestos. A rutura que se vinha adivinhando aconteceu.

Após décadas de desinvestimento e de desmazelo, a infraestrutura ficou sem condições de prestar um serviço adequado e por causa disso, em círculo vicioso, diminui a procura porque a oferta piorou e deixou de ser opção, e piorou a oferta porque escasseou a procura. Nem é preciso ir-se a doutor em Coimbra para se entender o ponto fulcral da coisa.

Tendo já sido uma das principais ligações de Portugal à Europa, a Linha do Douro definhou, encolheu e quase morreu, apesar de estudos e mais estudos apontarem para a inteligência e para a necessidade da sua revitalização. Ainda me recordo de há uns dez anos, ter assistido em Barca Dalva a um colóquio em que se demonstrou cabalmente a pertinência da sua reabertura até à fronteira e sua continuação em Espanha.

Aliás os responsáveis espanhóis presentes foram bem claros no seu interesse. Um dos argumentos principais foi e é aliás o que aponta para o facto de com ela se interligarem cinco espaços considerados Património Mundial, e se dotar Salamanca com uma ligação direta ao mar. Note-se que esta é só a segunda mais importante cidade interior espanhola, e que recebe cinco milhões de turistas por ano.

Mas não. Nem assim se pôs o comboio convenientemente sobre os carris na Linha do Douro. Por isso, andaram muito bem pois então os nossos edis quando apontaram a agulha para a linha que leva ao apeadeiro do descontentamento e à estação da exigência.

Quanto a nós, gente do Douro e de Portugal, não podemos ficar apeados do trem que leva à reivindicação justa de todo o qualquer fator de desenvolvimento, nomeada e principalmente o caminho-de-ferro que nos serve. Também somos filhos de Deus, homessa.


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