Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

Francisco Sá Carneiro: político polémico glorificado em mito

Completaram-se no passado dia 4 de Dezembro 40 anos sobre a morte de Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e António Patrício de Gouveia num acidente de aviação, sobre Camarate, imediatamente após o pequeno CESNA deixar a pista 35 (350º), pista em desactivação actualmente, e com destino a LPPR, código ICAO  (Porto).

Quarenta anos depois, Sá Carneiro constitui-se, para muitos portugueses, num mito idêntico ao de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Kibir (4 de Agosto de 1578), apenas dois anos antes de Portugal perder a sua independênca face a Espanha.

E porquê? Porque nunca as autoridades, quer civis quer militares quer aeronáuticas, conseguiram deslindar se se tratou de um acidente ou de uma sabotagem apesar de a pista de investigação como sabotagem ganhar força pelo facto de Adelino Amaro da Costa, Ministro da Administração Interna, ao tempo, ter mandado investigar contrabando de armas para o Iraque e para Angola.

Para o mistério terá contribuído a imperícia dos investigadores em manter inviolados os restos do avião e das polícias em tê-los guardado devidamente o que até parece acrescentar  a ideia de que alguém tratou desta violação das sobras. E cada investigação foi descaracterizando ainda mais estas sobras. Pelo que, cada investigação levantava hipóteses sobre hipóteses mas nenhuma conclusão comprovável. Assim, foi-se constituindo o mito: na ausência de uma conclusão objectiva, sobram percepções subjectivas como a do nosso Presidente da República (ver Público de 6 de Dezembro) afirmando a tese de sabotagem ou atentado e, em consequência, a de imolação do herói do centro político e da direita política por martírio.

Esta tese, verdadeira ou não, é, aliás, muito conveniente para o espectro político que Sá Carneiro liderava, ao tempo. Até porque, apenas seis anos e meio após o 25 de Abril, ele conseguiu levar aquelas partes do espectro político ao Poder Governativo do país, rompendo com a esquerda revolucionária e mostrando ao PS que este não era o único grupo que poderia aceder ao Poder.

Sá Carneiro tem então quatro elementos que o definirão para sempre como um referencial mítico: 1) capacidade para ganhar eleições e dispor do poder de domínio sobre o Estado e sobre a Sociedade Civil; 2) os valores da Social-Democracia que, muito antes de Mário Soares, ele defendeu e assumiu como referencial sócio-político para o país e para o então PPD, atual PPD/PSD; 3) a determinação e a intuição clara sobre os objetivos a perseguir que o tornaram num líder pioneiro nas escolhas e pertinaz e teimoso na ação; e, 4) a colocação permanente de Portugal em primeiro lugar, enquanto que Mário Soares sempre se colocou a si próprio e à sua imagem de pequeno-burguês acima de Portugal.

Tenho de dizer que Sá Carneiro foi muito mais assertivo e objectivo do que Mário Soares. Enquanto que este andou a tactear entre o socialismo colectivizante e a social-democracia (ao ponto de deixar fugir para o PSD pela mão de Mota Pinto a designação de Social-Democrata, em 1984), Sá Carneiro percebeu, desde o início, que a via social-democrata alemã era a única possível para defender a democracia liberal e a democracia social. 

Deste ponto de vista, o pai do regime político, em Portugal, não é Mário Soares mas sim Sá Carneiro. É-lhe devida esta homenagem. Penso eu, com base nos meus conhecimentos.

Bragança, 06-12-2020

 


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