Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Fala para que eu te veja!

O Instituto Camões, entidade que muito luta para divulgar a língua e cultura portuguesas no mundo, teve e gentileza de me convidar, recentemente, para uma conferência em Andorra, dirigida a lusodescendentes. Território de forte emigração, a ideia era reforçar os laços dos jovens com a sua cultura de origem. Mas o que mais me tocou ali foi perceber os esforços inabaláveis de famílias portuguesas para protegerem a língua materna junto dos filhos, reivindicando, das entidades anfitriãs, o ensino do português para eles nas escolas locais.

E esta não é uma luta isolada. Dias depois, as conversações entre os presidentes Marcelo e Hollande, na visita deste a Portugal, privilegiavam um sentido idêntico: integrar o ensino da língua portuguesa no sistema curricular do ensino francês, satisfazendo os anseios e reivindicações dos emigrantes. Entretanto, na Alemanha, já se avançou mais. Muitas escolas do ensino básico oficial têm turmas bilingues, com professores de português inseridos na escola pública e aí colocados através de concursos do Estado português. Um Estado que hoje possui um total de 815 professores em 23 países para garantir que a chama da língua-pátria se mantenha viçosa, também entre os nossos emigrantes. Mas mais que louvar o Estado por esse esforço, há que louvar as famílias quando mostram esmerar-se para que os seus filhos, portugueses também, não deixem de honrar a sua língua, usando-a como veículo privilegiado de comunicação.

Infelizmente, nem sempre esse esmero é claro. Fui há dias a uma dessas romarias de aldeia, onde gosto de saborear o aroma da tradição, seja no rigor e colorido das procissões, seja na expressão singular das gentes, na música, na poeira dos caminhos, nos negócios de gado, nas barracas de comes e bebes… E, de repente, já mal sabia em que país estava. As vozes e diálogos que imperavam, contrariando o próprio espírito etnográfico da festa, eram já uma amálgama densa de loquacidades francófonas.

São portugueses. Amam a pátria, bem o sabemos. Mas ver famílias portuguesas (e no seu próprio país!) eximindo-se do uso da língua materna é um paradoxo. Como podem reivindicar dos Estados (o nosso e o anfitrião) o ensino do português para os filhos, se no seio da família não usam a língua que exigem ser ensinada nas escolas?

E não esquecer nunca que o português não é uma língua qualquer: é a 5ª língua mais falada no mundo!

 

in Jornal de Notícias, 21.8.2016


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