Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Este mundo declarou guerra aos velhos

Nada se aprendeu nestes meses de pandemia, nos lares de Portugal os velhos continuam a morrer como tordos, e pouco, ou mesmo nada está a ser feito para os proteger. Não quero acreditar mas parece propositado e recordo uma crónica minha de 3.12.2013:

“Na Lituânia uma ministra alvitra a eutanásia para os pobres…. Errou o alvo, eu usava-a nos políticos como ela. Já há tempos um ministro japonês e a senhora FMI (Christine Lagarde) diziam que se tinha de acabar com os velhos...mais precisamente as suas palavras foram: “os idosos vivem demasiado e isso é um risco para a economia global! Há que tomar medidas urgentes.” Podem dar o exemplo e desaparecerem já da face da terra…

Não só me preocupa por serem velhos, eu também o sou, mas com eles vai-se perder uma geração única de lutadores, pessoas que – na maior parte dos casos - sem estudos, conseguiu educar os filhos e dar-lhes uma educação e cursos; que, nascidos na guerra ou após a mesma, souberam ajudar a reconstruir os países e a sociedade; passaram necessidades, fome e frio, mas sobreviveram numa era sem inovações tecnológicas para os ajudar, essas chegariam muito mais tarde. Foi essa geração que além de ajudar e apoiar os filhos (para serem rejeitados por eles em idade avançada e metidos num lar, ou atirados para a rua, como se de trapos velhos se tratasse, em muitos casos sem terem os netos a quem tanto queriam. Perde-se assim o elo intergeracional que existia há séculos nalguns casos, estão a morrer por detrás dum vidro, duma janela, donde apenas podem assomar para enviar um adeus, um afago a outros entes queridos e muitas das vezes, nem isso. Deram os melhores anos da sua vida em sacrifícios sem fim ao trabalho, à família, ao país, e agora morrem sós e assustados.

O Estado não parece muito preocupado, fica mais barato deixá-los morrer do que mandar lá enfermeiros e médicos tratá-los. Além do mais quando morrem, o Estado deixa de pagar as suas pensões de miséria e sempre poupa mais uns tostões. E o Estado que nos desgoverna sempre pensou assim: é do conhecimento geral que os velhos só acarretam despesas com a sua manutenção, doenças, asilos, tratamentos caros e é uma falácia pensar que os descontos que fizeram na sua vida produtiva dão para os manter nos longos anos de vida que ainda têm hoje. Dantes  quando se finavam novos, pelos 60 ou 70 talvez fossem sustentáveis, agora chegando aos 80 e 90 anos, é incomportável manter tanta gente improdutiva e ninguém liga ao que os velhos dizem, pois estão desajustados deste novo mundo tecnológico e de progresso em que vivemos. .

 Dizia em março a Mariana  Machado “Nem todas as pessoas mais velhas que morreram ou irão morrer estavam demenciadas e incapacitadas de comunicar (e mesmo que estivessem esta bestialidade não se justificava), muitas ainda teriam carinho para dar aos netos, filhos, cônjuge, amigos e muitas ainda teriam capacidade de nos transmitir conhecimento, muito dele de uma ordem especial, a que só o tempo permite aceder

 

Pertenço a essa peste grisalha que todos parecem querer isolar agora até ao momento da despedida final, mas ainda não estou nem senil nem demente, e prezo demasiado a minha liberdade individual, pela qual lutei afincadamente toda a vida, para que outros decidam por mim, nisto de democracias guiadas e outras situações semelhantes lamento mas nem o Suharto na Indonésia conseguiu… e essa de deixar morrer os velhos para salvar a economia só os totós acreditam nela. Querem que nós acreditemos que não se trata de eugenia, mas apenas da aplicação das leis de Darwin em que só os mais fortes sobrevivem e todos sabemos bem que os mais fortes, são os mais poderosos, os mais ricos, cuja inteligência os alcandorou aos lugares de prestígio que hoje ocupam na sociedade. Gostava de acreditar que haverá neste mundo uma mão cheia de idealistas, novos e velhos, capazes de evitar o cenário descrito. Claro que seremos na maioria poetas, utópicos cuja única arma são as palavras.


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