Desde que me conheço e tenho fé de mim e do que me rodeia, que ouço falar em duas coisas no que toca à região do Douro. Uma, é o eterno conflito de interesses entre os produtores e os comerciantes do vinho fino, mais conhecido por vinho do Porto. Outra, é a crise no Douro, seja lá o que isso for, que por falta de ser referida não pode ser dada como desconhecida.
Quanto à primeira coisa, ao conflito de interesses, julgo que se algo ele tem, é o seu carácter de inegável, pois diz-nos a própria história que já no século XVIII ele era bem patente. Poderá aliás, quase dizer-se que ele resulta da lógica das próprias coisas. Quem compra, quer sempre comprar por baixo, para vender o mais por cima quanto possível, e assim fazer render melhor o
negócio.
Claro que aqui poderá ser usado o argumento de que neste caso, quem vende também produtor, e que veste a pele das suas funções. Só que, nunca foi assim, pois o pendor sempre foi muito mais para o lado da transacção do que para o lado da produção. Aliás, a segunda sempre foi um complemento a modos dizer sem significado no exercício da primeira.
Bom, mas quanto à outra coisa, a segunda que referi como do meu permanente “ ouvir falar”, aí tenho de confessar algumas dúvidas quanto à sua real existência. Já vejo muita gente mexer-se na cadeira, mas eu passo a explicar as razões deste meu dizer, que até pode ser injusto.
Por um lado, até há uns poucos anos a esta parte, quando ouvia algum lavrador falar de crise, e de razões de queixa, estas prendiam-se quase sempre com esta ou aquela situação do pessoal. Habituados a anos e anos de um regime de trabalho a roçar a escravatura, os proprietários do Douro, deram-se muito mal com a melhoria das condições de vida dos seus jornaleiros, para quem de repente uma sardinha para quatro passou a não bastar.
Preocupações com a sua organização como classe, ou com os problemas da sua Instituição representativa, vulgo Casa do Douro, foi assunto que jamais
teve duração para além de uns breves segundos. Para o lavrador do Douro, semelhante organismo era como se não existisse. Isto claro, exceptuando uns dias no mês de Setembro, por altura da “ feira dos cartões” descaradamente transaccionados mesmo ali no átrio da casa. Todos sabemos que não é aí que o caldo se entorna, que até é legal e aconselhável, a não ser que…
Mesmo agora, com um verdadeiro terramoto que pode virar tudo de pantanas, a indiferença não podia ser mais geral, e o desleixo e o deixar andar são à forma do costume. Toda a gente anda com o cinto na mão, ou corre o risco de vir a andar, mas nem assim as vontades se unem, e os esforços se fazem notar.
Como sempre, o vinho no armazém de cada um, é melhor que o de cada qual, e ao invés do usual, as galinhas nas capoeiras são sempre melhores que as da vizinha. Sejam ou não, o que importa é pelo menos parecer que são, que para a inveja medrar de forma a ser-se invejado.
Em relação aos outros sectores de actividade na nossa região, o que pode no mínimo dizer-se, é que também se lhe pode aplicar este retrato, pois até parece que é tudo farinha do mesmo saco, melhor dizendo, vinho da mesma pipa.
Estando a economia da região pendurada neste quase único sector de actividade que faz as pessoas andarem em redor das videiras, mais parece que não é assim, e todos assobiam para o ar, na mais completa falta de solidariedade, como se o assunto directa ou indirectamente a todos não dissesse respeito.
Parecem esquecer-se que na região do Douro, quando o sector da vinha e do vinho apanha uma corrente de ar, todos apanham uma pneumonia. A sério que se não fosse por respeito, e porque sei que a aragem não mostra o que vai na carruagem, era capaz de perguntar: CRISE ? QUE CRISE ?!
Douro: Crise ? Que crise?!

Douro: Crise ? Que crise?!
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