A Faculdade de Direito de Lisboa veio institucionalmente e quase com todos os seus pesos pesados a Bragança para, duranrte dois dias (15 e 16/2/208), e a convite da Câmara Municipal local, justificar a necessidade da criação de uma nova entidade jurídica, com efeitos político-administrativos, a saber, a Interioridade.
Havia, neste cenário, quatro objectivos em agenda, repartidos em dois para cada uma das instituições parceiras e, também para cada uma deles, um explícito e um oculto. Pela Faculdade de Direito havia a agenda explícita da tentativa de justificação da Interioridade e a agenda oculta da propaganda para captar novos públicos de alunos: uma lança contra a regionalização das universidades que ameaça matar as universidades clássicas, herdeiras do ensino e da avaliação de controlo social.
Do lado da Câmara Municipal, havia a agenda explícita da justificação da Interioridade e a agenda oculta de mostrar que é a CMB quem ainda detém o protagonismo das ideias, da cultura e da defesa do Interior.
A agenda oculta da Faculdade não foi percebida pela maioria das pessoas mas os objectivos da Câmara foram percebidos e celebrados. Também, no deserto de ideias que é o nosso Interior, bastará alguém com coerência estratégica para levar a primazia. E, por isso, o meu PS tem muito que penar para levar a palma ao PSD relativamente à Câmara Municipal de Bragança. Ou deixa de existir em conclave de empenhamento cívico vindo para a rua ouvir e dinamizar as pessoas ou então Jorge Nunes trilhará mais uma avenida de palmeiras até à reeleição. Já não está tão fácil como as duas anteriores mas o PS, por este caminho, tudo fará para a sua reeleição. A menos que ganhe juízo e pensamento estratégico. Ainda é possível.
Vamos agora ao evento.
O Professor Eduardo Pinto, Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito, fez uma excelente justificação da necessidade da criação da entidade jurídica Interioridade justificando-a no conceito de justiça, tal como o concebeu o liberalismo dos direitos humanos, desde o Conde de Turgot a John Stuart Mill e a John Rawls.
Foi uma tarde brilhante, assente nos princípios de que não há democracia sem justiça nem justiça sem discriminação positiva pelo que a criação do conceito de Interioridade como cartegoria jurídica é fundamental para salvar o Interior e realizar nele mais investimentos.
Pelo meio ficaram avisos à classe política e à cada vez maior desvinculação entre legislação e direito, permitindo um cada vez maior desvio da legislação em relação ao princípio da salvaguarda do interesse geral, antes permitindo que a legislação se apresente, muitas vezes, como representante de interesses específicos segundo o poder de acesso à elaboração das leis.
O segundo dia foi menos mobilizador. Os oradores prometiam e foram brilhantes mas as suas temáticas menos mobilizadoras. O Professor Jorge Miranda faltou alegando gripe.
Na primeira Mesa estiveram os Professores Adriano Moreia e Costa Andrade. Falaram ambos do que melhor sabem e empolgaram o auditório, sempre cheio, ao longo dos dois dias.
Adriuano Moreira falou essencialmente do Estado como categoria ética e, como um bom social-liberal, chamou a atenção para a crescente evidência da relação entre democracia e mediocridade, relação enfatizada pelos liberais, desde meados do Século XIX, a partir de Tocqueville. A democracia estará a transformar-se numa democracia injusta porque há muito que deixou de ser universalista por não saber respeitar os particularismos e os verdadeiros saberes.
O Professor Costa Andrade falou dos Direitos Penal e Processual. Seguiu uma linha idêntica à anterior e expressou os efeitos da mediocridade e da ausência de universalidade na elaboração das leis.
No final do dia, chegou o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente do Conselho Científico da Faculdade, com a missão ingrata de se representar a si próprio e ao Professor Jorge Miranda. Fê-lo de uma forma brilhante embora trágica para o objectivo explícito da Faculdade: a justificação do conceito de Interioridade. Ao contrário dos oradores anteriores, que assumiram um registo normativo e axiomático, Marcelo assumiu um registo sociológico. O resultado foi que demonstrou que nem o Porto nem o Interior Português têm grandes possibiliades de se afirmarem no concerto dos poderes de influência que, a nível europeu e nacional, entretecem a trama das decisões estratégicas que se fundamentam no poder económico, no maior número de população e no respectivo poder nas eleições, em termos de voto, que têm canalisado todos os investimentos para Lisboa. Marcelo terminou mesmo com uma mensagem de desespero para o Norte e para o Interior. O Porto já não tem elites, os vossos representantes são cooptados pelos partidos, para Lisboa, e vocês, em Trás-os-Montes, arranjem um Primeiro-Ministro (antes tinha dito que a Beira Interior tinha beneficiado disso).
Dado o impacto destas palavras, pensei, mais uma vez, para mim: será que «os miguéis de vasconcelos» de Lisboa têm tudo contratado com a Espanha no sentido de destruir o Porto e a sua região em favor de Lisboa e de Vigo. Até o TGV para Madrid, a existir algum dia, passará por lá!
A defesa do Porto e da sua região é a única hipótese que coloco para votar a favor da grande região norte mas, primeiro, os ignorantes e arrogantes do Porto têm de se sujeitar a uma lição de civismo, de respeito pelos outros e de humildade. De outro modo, prefiro morrer pobre mas com dignidade do que governado por gente que só conhece a Tore dos Clérigos e o seu próprio umbigo.
Assim, Marcelo secundarizou a primeira parte da sua intervenção, em que, em nome de Jorge Miranda, fez a história do municipalismo português, até à actualidade.