Em momentos de grande crise, a solução parece estar na ideologia. A ilusão da ideologia! Como se a ideologia resolvesse os nossos problemas, os da estrutura e os da conjuntura. Como se os governos da Esquerda não tivessem políticas de Direita e como se os da Direita não tivessem políticas de Esquerda.
A hora que Portugal vive é já dramática: 17,8% de desempregados oficiais e 23% de desempregados reais; 40% de desemprego jovem (18-30 anos); 212 mil milhões de dívida pública (126% do PIB); 155 mil milhões de défice acumulado, desde 1980.
A reunião das esquerdas, promovida por Mário Soares, neste fim de semana, é o motivo próximo desta reflexão. Sem dúvida, é necessário agitar a opinião pública. Sem dúvida, é necessário chamar o Governo e o Presidente da República à razão mas a solução não está numa aliança da Esquerda.
A aliança da Esquerda é uma ilusão. O povo português é ainda demasiado conservador e cristão para tolerar uma aliança entre o PS e o PCP/BE. Mais: uma aliança de esquerda não resolveria nada. Quem dera que resolvesse mas, a menos que o país queira reduzir em 50% os salários e as despesas, o país não é governável à Esquerda.
Governar à Esquerda, numa aliança PS-PCP/BE, seria, pura e simplesmente, rasgar os compromissos de Portugal com os seus financiadores externos. Tenha-se a noção de que a ausência de financiamento externo acarretaria a perda de dois terços do orçamento do Estado, de 155 mil milhões de euros anuais. E que aconteceria numa situação destas? Nem quero imaginar!
Tenha-se igualmente a noção de que chegámos aqui porque, ao longo dos últimos 35 anos, ninguém chamou os três partidos do Poder à razão. Nem mesmo Mário Soares quando foi Presidente da República. Foram tantos os desmandos, os gastos mal pensados, as irresponsabilidades... sem que ninguém pusesse travão. E, agora, estamos a sofrer.
Por um golpe palaciano, o II Governo de Sócrates foi demitido. Prefiro que o atual Governo não seja demitido por um golpe palaciano semelhante. Prefiro que se demita ou que termine o mandato. Para que não tenha desculpas nem álibis. Ao pedir a sua demissão, Mário Soares e António José Seguro apostam na irresponsabilização do atual Governo. Para se desresponsabilizarem a si mesmos.
O atual Governo já é tão culpado da nossa tragédia como os anteriores. Quis o impensável: resolver em dois anos o que só seria resolúvel em 20. Acrescentou tragédia à tragédia e, agora, não sabe como resolvê-la. A solução não está em demitir o Governo mas em ajudá-lo a buscar uma solução.