Por todo esse Douro de Deus afora, cerimónias comemorativas disto ou daquilo, são coisas que não faltam, para todos os feitios e para todos os gostos. Desde as celebrações do Douro Património Mundial, até às celebrações do furar do pipo em dia de S. Martinho, acontecem em todo o lado e quase pode dizer-se a toda a hora.
Quem de cá não for, ou cá não esteja, pode muito bem pensar ao ler as notícias do que por aqui vai sucedendo, que actividade é coisa que por estes lados não falta, e que coisas bonitas com que nos entretermos é o que mais para aí há.
Engana-se no entanto infelizmente quem assim julgar, e quem semelhante coisa imaginar. Realmente, como disse, cerimónias ou eventos de cariz análogo, acontecem se não diariamente, pelo menos uma ou duas vezes por semana em tudo o que é terra de relevância que baste.
No entanto, tantas coisas juntas e quase ao mesmo tempo, passam absolutamente despercebidas ao comum dos cidadãos durienses, principalmente aqueles que desde há décadas e décadas mourejam nestas encostas entre videiras enterradas na terra por entre o xisto que lhe dá o ser, pelo menos ao que dizem os entendidos.
Poderá mesmo dizer-se que o Douro é terra em festa, mas nos festejos mandam os mordomos vindos de fora, aperaltados com vestimentas que nada dizem e pouco se enquadram com aqueles que carregam às costas o andor numa procissão de vaidades vãs e palavras pouco menos que ocas, ainda que floreadas.
Seja a comemoração onde seja, e aluda o que aludir, é certo e sabido que nela aparecerão algumas poucas pessoas bem postas, com ar assim um bocado para o empinado, com o rei na barriga, e com postura de quem vem salvar o mundo, ou neste caso concreto, mais propriamente o Douro, agora tão na moda, tão badalado, mas nem por isso muito cuidado.
Botam-se discursos e mais discursos repletos de lindas intenções e lindas frase espalhadas ao vento, provam-se uns óptimos vinhos com ar entendido, comem-se uns petiscos ora saborosos, ora nem por isso, e com todo o contentamento do mundo aguarda-se que chovam soluções e as coisas apareçam feitas por obra e graça do Divino Espírito Santo.
Neste modo de agir, e muito por causa de assim ser, exaltam-se os egos próprios e mais os que são mais próximos, e finda a festa chega-se ao sono senão dos justos, pelo menos o sono só conhecido dos que estão contentes da vida, ainda que esta valha ou não a pena.
Enquanto isto, o Douro, o tal que é tido como Património da Humanidade, um ano após o galardão está cada vez mais na mesma para não dizer pior. Pouco ou nada foi feito, o lixo continua a espalhar-se por tudo o que é canto e recanto, os muros seculares que suportam os vinhedos e deram consistência ao titulo são inconscientemente destruídos, ao ponto de um destes dias ninguém se admirar se nos retirarem o reconhecimento mundial.
Mas se tal suceder, de certeza absoluta que culpas não têm os que despejam o lixo ou dão cabo dos muros de xisto na suas actividades diárias. Culpas, têm aqueles que por obrigação de função, e por dever de conhecimento, deviam esclarecer os verdadeiros obreiros desta grandiosa obra chamada Douro, a única como dizia Miguel Torga, com que podemos assombrar o mundo.
Com tanta cerimónia por tudo e por nada a acontecer por aí, já vai sendo altura de chamar toda a gente para a festa, de modo a que o Douro enquanto coisa sublime e única, e muito merecedora de ser acarinhada, seja sentido e vivido por todos, principalmente pelos que lhe sustentam a alma, com o suor escorrido do rosto.
Enquanto assim não for, para os nativos falar-lhes das excelências da sua região, é pouco mais do que falar-lhe da enorme quantidade de pessoas de fora que por aí se passeiam, que pouco deixam, e que pouco mais são vistos do que alguém assim meio esquisito, que não tem mais que fazer, e que vem para aqui gastar o seu rico tempo a andar de autocarro ou de barco de um lado para o outro, em vez de estar na cidade grande a ver montras reluzentes e cheias de coisas bonitas.
Quer se queira quer não, enquanto se não fizer sentir às pessoas que o Douro é muito mais do que o local onde penam, e onde têm que passar a vida porque aqui nasceram, falar-lhes das magnificências da região, e dos livros que as louvam, é pouco mais do que conversa para adormecer tolos, ainda que sem bolos e sem proveito.
Isto, claro, a não ser que ser queira que o Douro continue a ser a modos que uma colónia, de onde são tirados os proventos, e onde são aproveitadas as coisas boas por parte de quem está longe, e vem em visita turística para admirar a singeleza dos pobres coitados, e para se deliciar com coisas próprias de quem sabe o que é bom, e tem arte e meios para o aproveitar.
Cerimónias à parte, que até nem são desmerecidas se bem planeadas e bem concretizadas, urge pois fazer com em todo esse chão do Douro, nasça que nem enxertia nova, um verdadeiro
espírito que nos una em torno de uma ideia capaz de tronar esta obra dos homens, uma obra de todo em todo merecedora da admiração dos deuses do Olimpo.
Cerimónias

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