Os estalamentos do verniz da relação entre o Governo e Cavaco Silva não são essencialmente consequência dos empolamentos de linguagem próprios das campanhas eleitorais. São muito mais que isso: representam o alibi e a fuga para a frente do desesperado que já não consegue escapar à tragédia e, por isso, tenta arrastar o «inimigo» consigo.
É verdade que Cavaco Silva parece ficar pior nesta fotografia de fogos de pólvora seca: nunca exerceu devidamente a sua magistratura de supervisão, pelo menos de modo a que o povo a entendesse; sempre deu a mão ao PSD como está a dar agora, de modo a favorecê-lo em eleições, nunca sendo, assim, árbitro imparcial e, agora, tenta legitimar a dissolução da Assembleia da República, a seguir às eleições, a pedido de Pedro Passos Coelho.
De um Presidente da República assim pouco teremos a esperar mas a tragédia também está em que, com a excepção de um desacreditado Defensor de Moura, nada poderemos esperar dos outros candidatos.
O cenário, para Portugal, é, então, dos piores da sua história. Com uma economia tradicionalmente frágil e há praticamente dez anos em recessão, com uma previsão de pelo menos mais dez anos de agravamento dela, os portuhgueses precisam de gente que saiba da governação, que seja honesta e que fale verdade. Estas características nenhum dos candidatos as possui nas doses desejáveis e só Defensor Moura mostra uns laivos delas. Isto significa a tragédia, acompanhada de uma partitura trágico-cómica.
Durante os últimos 25 anos, fomos governados por políticos pouco esclarecidos e, demasiados deles, com condutas inaceitáveis. Foi o assalto ao Poder, o governa-te-porque-depois-não-haverá, o quem-vier-atrás-que-feche-a-porta, o só-o-interesse-pessoal-e-dos-grupos-privados-é-que-conta.
Agora, Portugal agoniza. Não vislumbro solução democrática nesta democracia de usurpadores, de oligarcas, e de concepção patrimonialista da coisa pública e da administração. É preciso urgentemente uma crise social e política grave para que alguém ponha ordem na barraca porque os tempos que se avizinham exigirão mão muito pesada para garantir a ordem e a distribuição justa dos parcos bens que vão estar disponíveis.
A preços comparados com 1980, Portugal já só garante 20% do seu consumo e da sua despesa. A miséria vai instalar-se no país porque o descrédito internacional já aí está e a incapacidade para pagar se tornou evidente. É preciso ver ainda que 1.000 euros valem hoje menos do que 200 em 1980.
À falta de bom senso de Cavaco e do Governo, a União Europeia já prepara o pacote de 100.000 milhões de euros para ajuda, a disponibilizar após as eleições presidenciais e, quiçá, legislativas. Porém, pode não ser fácil dissolver a Assembelia da República porque a União Europeia não quererá negociar esse fundo com um governo de transição ou, sequer, esperar quatro meses para que outro governo seja eleito. E, como afirma hoje Paul Krugman, o caminho é o do desastre económico. Cavaco e o Governo deveriam era estar a tratar de como gerir esse fundo e não a degladiar-se.
Na minha perspectiva, a UE não deveria estar tão pronta a apoiar tanto irresponsáveis e ignorantes, muitos de conduta social pouco recomendável. Mas também é assim o caminho da Europa e da falsa democracia. A menos que concluam que têm de governar por nós, manterão os vícios e as incapacidades do país. E, mais uma vez, com o PSD, a comer as papas ao PS, como em 1980, como em 1985, como em 2002. Será o destino do pé descalço e da maior falta de competência?