Não há ano que se finde, para que outro se inicie, sem que se deseje o melhor dos mundos e as mais belas coisas para todos em toda a parte. Que o ano novo seja bom, almejámos uns aos outros, e eu agora muito especialmente a si que neste ponto de encontro faz o especial favor de isto ler.
Podemos pois dizer que anualmente se semeia a esperança, mesmo que nos últimos tempos ela surja entremeada com um crescente sentir de amargura. Desta vez, então, ensombram-se aflitivamente os olhares. Nota-se o amargo na boca, a cada virar de página de jornal, ou a cada abertura de notícia na omnipresente televisão. Vale-nos ou menos esta com os seus vendedores de ilusões que tão bem nos sabem entreter e quantas vezes adormecer.
Não é para agoirar ou para espelhar pessimismo nem dramatismo, mas tenho para mim que agora a coisa é séria. Parece-me que o nosso mundo treme, e a não haver os cuidados devidos pode inclusivamente ruir. Já passámos do ano dois mil, o tal que a profecia refere como o último dos derradeiros, o tal de onde a humanidade não passaria, mas já começo a duvidar em certas alturas se não terá havido engano no calendário.
Mas isso é só por segundos em dados momentos.
Depois, olho para cima para o céu azul e logo passa. O problema é que as abertas vão sendo cada vez em menor número, toldadas que são pelas nuvens que a minha capacidade crítica teima em espalhar. Deita uma pessoa os olhos estendendo-os para lá de até onde a vista alcança, para a Europa, e nada o alenta. Depois, olha em redor, para mais perto, para o país que é nosso, e sente um arrepio na espinha. Mais parece que está tudo grosso, lá e cá. Líderes sem visão no poder e na oposição, não conseguem mostrar nem definir o caminho. Ficam-se pelo agradar cada qual aos que têm como seus eleitores de opinião instantânea e de reacções movidas a egoísmo. Não calceteiam as estradas que levam ao futuro sustentado, limitam-se a alcatroar o chão mais imediato ao jeito da pernada seguinte.
Eu gostava de sentir as paredes deste nosso mundo a abanar sem que tivesse de sentir receios. Gostava de o ter como bem escorado e entregue a bons timoneiros, mas não consigo. Quero acreditar nos amanheceres minimamente radiosos que nos prometem, mas não sou capaz pelo menos totalmente. Gostava de deitar o olho para o lado e vislumbrar troca que valha a pena, mas custa-me a enxergar os contornos nas sombras que se desenham. Só vejo tacticismo.
A política nacional e europeia está que não se recomenda neste terminar da primeira década do século vinte e um. Quanto à economia e mais às finanças que mexem com todos nós, essas então estão pela hora da morte. A rua, onde historicamente tudo se muda, essa, está efervescente e cada vez mais ao rubro aquecido que é o ambiente com o descontentamento e com as aflições de quem esbarra com um muro de impossível transposição mesmo em frente ao seu nariz.
Mas não ligue assim muito a isto que eu hoje estou para o negro e muito possivelmente peco pelo exagero. Daqui a um ano, o mais certo, é estarmos a concluir que afinal as coisas nem estiveram nem estão tão viradas ao contrário.
A ver vamos, como diz o cego. Em todo o caso, olhe, só me resta como se dizia no falar dos mais antigos, desejar-lhe um bô ano. A sério que é o que lhe desejo.