No tempo em que a Régua era a modos de dizer, o único entreposto comercial de para cá do Marão, sempre que havia mercadoria nova e da boa, digo eu, para venda, ecoava em toda a região o dito «há sal na Régua». Mas como facilmente se depreende, não seria unicamente o sal o produto muito importante, pois mesmo que metendo-se ele em quase tudo o que é cozinhado, de nada valeria se não viesse a acompanhá-lo nas viagens das terras de junto ao mar até cá, por exemplo a sardinha de barriga e outras coisas que tais.
O certo, é que ainda não estavam os cestos no chão térreo se calhar, dos estabelecimentos comerciais, e já por todas as bandas se sabia da novidade. Havia então que se meter pés ao caminho por aí a baixo que é sempre ao fundo rumo à Régua. Para cima é que era o diabo, mas o suprimento das precisões domésticas e não só, a tal obrigava. Gente que palmilhou esses caminhos de Deus em anos idos, ainda a há por aí viva, de saúde, e com o entendimento escorreito para a lembrança de tais trabalhos.
Foi daqui, e será bom que sempre haja essa noção, que nasceu a Régua naquilo que a entendemos como urbe de calcanhares a tocar as águas do rio, pois a outra parte, a de lá cima, a do Peso, é de outras nascenças. Uma e outra são de estirpe honrada e ilustre no modo de ser, mas manda a justiça que se diga que o fortalecimento da Régua e o seu guindar a terra de primeira apanha no contexto regional se deve às condições naturais que dela fizeram ponto nuclear do comércio nas terras em seu redor. De todo o Douro, das Beiras e de Trás-os-Montes, vieram ao longo de décadas cá abaixo multidões a comprar e a vender.
Vir è Régua, significava até há uns anos a esta parte, dia de festa para a canalhada, como nós dizemos, ao mesmo tempo que quantas vezes queria dizer dia de aperto nos corações para os respectivos pais, que mesmo assim, e porque um dia não são dias, a gosto ou a contragosto, lá se metiam á jornada, pois de nada adianta o dinheiro na carteira mesmo que pouco, se não se gastar nas necessidades mais imediatas e inadiáveis. Poupava-se, ia-se ao que se podia, fazia-se uma ou outra extravagância para consolo da pequenada ou da patroa, mas tinha de ser, e assim era.
A Régua virou em poucos anos terra de muitas pessoas e para toda a gente. Era local de tudo e para cada um. Foi um pouco de todos. Cresceu, multiplicou-se, e pedia então meças a qualquer outra vila ou mesmo cidade do interior norte de Portugal tirando uma ou outra. Era aqui que quem quer que fosse desejava vir pelo menos uma mão cheia de vezes ao ano. Vir à Régua, era como hoje em dia ir-se ali ao fundo ao supermercado, para já não falar em se ir cobrar esquina em centro comercial em momento de passeio aliviador de espírito cansado.
Sabemos no entanto que os tempos mudam, e que também nisto as coisas se alteraram.
Onde antes não havia mais que o alfaiate ou o sapateiro remendão, passou a haver lojas de modas e de cantigas. Nas vilas, passou a haver também um pouco de cada coisa. A jornada à Régua perdeu encanto e deixou de ser tão essencial. Depois, as vias de acesso melhoraram as olhos vistos, e qualquer deslocação para mais longe, deixou de ser problema.
O andar de um lado para o outro, ir aqui ou ali, democratizou-se. Enquanto isso, a Régua, há que dize-lo, não soube manter-se no seu lugar como terra de primeira escolha. Perdeu importância e relevância. Perdeu grande parte da sua força de atracção.
Mas não a perdeu totalmente. Quem estiver atento, ainda nota um restos da sua capacidade atractiva agora na região e não só, muito em parte por causa do tão falado turismo essa coisa que tanto prometeu.
Pelos sábados de manhã, e pelas épocas festivas, é bem notória a presença de forasteiros em busca de algo. É o vir á Régua que ainda faz mover. Ainda agora, na Páscoa que passou, bem se viu isso. Por exemplo, os espanhóis era tantos, que mais parecia uma invasão. Ainda me chamei ao condestável que agora é santo, para nos acudir, mas depois vi que a invasão era pacífica e desejável.
Por estas e por outras é que eu digo que ainda há sal na Régua. Ainda há esperança para ela enquanto terra de referência regional.