Manuel Igreja

Manuel Igreja

Agricultura Sequestrada

Por estes dias que correm, suinicultores e produtores de leite, andam em protesto no passeio público. Dizem eles e a gente acredita, que o negócio lhes anda pelas ruas da amargura sem que deixe provento que se veja.

Não tarda nada, afirmam, não vão faltar empresas do mister a encerrar, a falir, e o desemprego a aumentar com mais cinquenta mil cidadãos desesperados nas filas nos Centros de Emprego em busca de novas oportunidades de sustento de vida.

Criar um reco para o mandar para retalho e venda, ou mugir uma vaca leiteira para lhe sugar o precioso líquido branco, é chão que já deu uvas. Agora, nem para se equilibrar a balança chega de tão parcos serem os ganhos da coisa. As actividades apesar de árduas, nem para aquecer dão. Os ânimos andam exaltados.

Nós que somos os consumidores facilmente acreditamos nas dificuldades que os lamentos de uns e de outros traduzem. Vemos, ouvimos e lemos, por isso sabemos que é assim. Não somo nem inconscientes nem cegos.

Infelizmente no entanto, não é somente nestes dois sectores da nossa economia que as coisas vão de mal a pior. Em quase tudo o resto, e muito em particular na agricultura depois desmandos que levaram ao quase absoluto desmantelamento do tecido produtivo português, custa a processar-se o arranque, com exceção vá lá, de uma ou outra atividade.

Mas foquemo-nos entretanto na agricultura uma vez que esta nos é particularmente próxima e querida. Se não for por mais nada temos de nos lembrar que na nossa região tudo se dependura nela e que quando ela apanha aragens inconvenientes, todo o resto sofre as consequências do resfriado.
Na agricultura, ou muito me engano, ou anda de novo para aí muita gente iludida porque ela se apresenta cada vez mais como uma porta de saída para muitos que sentem que o corredor se estreita numa vida em que a desilusão acerca do que vale a pena se alarga. Corre-se o país de lés-a-lés e numa primeira apanha, imediatamente com agrado se dá conta dos campos renovados e cultivados. O que é bom.

Graças aos apoios comunitários, uma nova geração de agricultores chegou aos terrenos de cultivo disposta a deles extrair sustento e rumo de vida. Jovens rapazes e raparigas, não se deixaram acomodar ou seduzir por quotidianos vividos nas grandes cidades em que unicamente se vêm prédios altos, para virem penar onde o horizonte se alarga e se escuta o som do silêncio quando os ouvidos da alma a isso se predispõem.

Com a esperança a dar força ao ânimo, corre-lhes pelos braços a força hercúlea que permite arar, tratar e colher frutos do melhor que há seja onde for. São excelentes as colheitas, e absolutamente capazes de não temer a concorrência, justiça houvesse, e caso medrasse a inteligência na defesa individual e coletiva dos interesses nacionais, infelizmente algo nem sempre verificado como bem sabemos. Outro galo cantaria na hora de se contabilizar o dever e o haver nas explorações agrícolas deste nosso Portugal, posso garantir.

No entanto, passados os momentos dos sonhos a realidade revela-se nua e crua por entre os milheirais, os arrozais, e outros que tais. Arranjar-se maneira de arrotear solos e produzir do bom, consegue-se quando se quer. Os problemas surgem é na hora de se vender o que se colheu. Um mercado praticamente monopolista da parte de quem compra para comercializar lança ofertas vergonhosas a que se não consegue fugir. Vender, ou melhor, entregar à primeira oferta, é a saída sem alternativa.
Por isso, enquanto milhares se esganam, um ou dois pares de merceeiros de larga escala prospera como lhe apraz. Controlam como querem a agricultura portuguesa que muito amam e defendem. Juram a pés juntos. Os clientes não se ralam, os governos aplaudem, mas os lavradores e afins, choram.

A agricultura portuguesa está sequestrada porque não tem por onde escoar, mas dizem que é próprio dos tempos. Será. Mas então que não iludam quem granjeia, para que se não ande a trabalhar para aquecer. É que mais vale estar quieto quando assim é. Digo eu, não sei.


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