Ana Soares

Ana Soares

2020 – o ano dos extremos

2020 foi o ano que nunca ninguém imaginou, aquele que mais parece ter-nos sido impingido de um guião de mau gosto de Hollywood, que ninguém desejou ao comer as 12 passas e que, em tantos momentos, nos esgotou emocionalmente.

2020 foi o ano em que muitas famílias passaram de um rendimento que tinham como certo a uma contagem de dinheiro incerto. O ano em que muitos negócios que estavam destinados ao sucesso caíram num fado indesejado ou que, pelo menos, ficaram a marcar passo. Um ano de temor e incerteza económicos.

2020 foi o ano em que alguns Pais se desesperaram para encontrar forma de conseguir que os Filhos seguissem os estudos em casa, quando os meios físicos teimavam em não colaborar e a disponibilidade mental, com tanto a acontecer social e profissionalmente, não existiam. Foi também o ano em que muitos Pais deprimiram por não conseguir o equilíbrio entre um teletrabalho exigente que partilhava sala com crianças confusas e enérgicas e em que muitos outros, procurando concretizar esse equilíbrio, o agudizaram trabalhando de madrugada e ficando tão exaustos que o tempo que pretendiam de qualidade com os Filhos se traduziu em nervosismo e, porque não reconhecê-lo, momentos em que só queriam que eles estivessem na escola 30 minutos. Um ano em que Pais que continuavam a trabalhar não se podiam dar ao luxo de ficar em casa com os Filhos, porque a realidade ia mais além que as medidas de apoio do Governo. Um ano recheado de Pais (im)perfeitos que se sentiram no meio de areias movediças.

2020 foi o ano da saudade e da nostalgia. O ano dos aniversários com bolos feitos em casa e sem o abraço dos amigos e da Família. Foi o ano em que a Páscoa não foi tão doce como o habitual e em que os abraços do Natal serão substituídos por olhares cheio de amor mas marcados por incertezas. 2020 foi também o ano das viagens canceladas, dos planos abortados e do receio de estar com quem gostamos. O ano em que a saudade nem com um abraço se pode acalmar.

2020 foi um ano de angústia. Um ano de regras rígidas e da mudança assustadora. O ano em que deixámos de dizer aos nossos Filhos para deixarem fluir as emoções, para terem cuidado com as brincadeiras e para não beijarem ou abraçarem os amigos. O ano em que vimos familiares “presos” em lares a degradarem o seu estado de saúde por se sentirem isolados ou doentes em hospitais que não podiam ser confortados pelos familiares. O ano que separou netos dos Avós, Crianças de risco das brincadeiras normais de escola. O ano dos funerais sem pessoas, sem abraços, sem colo emocional.

Mas 2020 foi um ano de redescoberta. Um ano de novas oportunidades para uns, ainda que de incerteza profissional para tantos outros. Um ano em que novos negócios (e surreais se nos perguntassem há um ano) floresceram e onde tantos outros se redescobriram e reinventaram. O ano em que o teletrabalho deixou de ser uma realidade ínfima para se tornar o dia-a-dia de tantos profissionais. O ano que nos faz ter esperança que o mundo digital, que há já tantos anos deixou de ter amarras espaciais, se traduza em realidades profissionais igualmente exigentes (ou até mais) em que o teletrabalho não seja utópico mas sim uma opção perfeitamente aceitável para tantos trabalhos com que é totalmente compatível de ora em diante.

Mas 2020 foi um ano de descoberta familiar! Um ano em que conhecemos aqueles que connosco vivem de uma forma profunda, total. O ano em que muitos de nós partilhámos mais tempo com os nossos Filhos, criando memórias, do que alguma vez tínhamos feito. O ano em que muitos casais discutiram até à exaustão mas em que provavelmente mais refeições partilharam à mesa, mais preocupações dividiram e mais pormenores pelos quais se apaixonar descobriram (a par de tantos outros desesperantes)! O ano em que percebemos os índios e os príncipes que os nossos Filhos são. O ano em que o alicerce foi verdadeiramente o amor.

Mas 2020 foi o ano da superação! O ano em que os amigos quebraram a solidão dos aniversários e se organizavam em “festas” surpresa em salas virtuais que tantas gargalhadas e lágrimas de felicidade originaram. O ano em que fronteiras foram quebradas e que o amor venceu um maldito vírus e em que o sentimento se sobrepôs ao confinamento. O ano em que tantos Avós se iniciaram nas videoconferências e em que tantos netos puderam brincar como no tempo dos Avós, foram de horários rígidos e exigência do mundo dos adultos, onde consolas e computadores deram lugar à redescoberta da natureza e tempo com a Família.

Mas 2020 foi o ano dos pequenos gestos. O ano em que, não podendo estar presentes, nos obrigámos a inovar para não estar distantes, que voltámos a escrever a quem gostamos ou a dar os parabéns de alguma forma que não o feed de notícias do Facebook ou em que o fizemos de forma mais personalizada. O ano em que planeámos o projecto do próximo verão em família, sejam as férias que adiámos seja uma actividade em família. O ano em que sonhámos juntos, em que nos apoiámos e desesperámos juntos, em que vivemos efectivamente juntos. O ano em que os sorrisos escondidos deram lugar a olhares repletos de amor.

2020 foi um ano de emoções extremas e vivências única. Foi o ano do nada e do demasiado. O ano do desespero e da mais sincera gargalhada. O ano da angústia do desconhecido e da felicidade de descobrir a Família que, afinal, nos era tão desconhecida. O ano de viver com receio do que era banal e vontade de prolongar o que foi único. Que 2021 nos surpreenda, sem pandemia e ameaças de saúde, mas com desafios que nos obriguem a ir mais além. Que saibamos prevenir para que não se repita o mau, que nos apoiemos numa crise profunda e económica que certamente se agudizará, mas que consigamos criar memórias e reproduzir tudo o que este ano teve de bom, tornando-o presente no dia-a-dia.

Boas Festas!


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