Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Nadir humilhado

Vila Real devia orgulhar-se do privilégio de possuir um dos raros imóveis da arquitetura moderna que Nadir Afonso introduziu em Portugal na década de 60. Nadir Afonso (1920-2013), arquiteto, pintor e ensaísta, deixou em Portugal e no estrangeiro, nos vários domínios da arte e da estética, uma obra única, original e de dimensão universal.

Após um riquíssimo trajeto internacional, trabalhando com os mais influentes mestres do movimento moderno, Nadir projetou em Portugal algumas das obras mais emblemáticas que marcaram a história da arquitetura do séc. XX. E sendo transmontano, aceitou conceber também para Vila Real um singular edifício, conhecido como Panificadora PanReal, que continua a fazer parte da memória coletiva dos vila-realenses.

Vila Real devia orgulhar-se, de facto. Mas ainda que se orgulhe, debalde o faz, pois os decisores de Lisboa (sempre Lisboa!..) estão-se nas tintas para esse orgulho. Este edifício, ou o que dele resta, está hoje transformado numa autêntica…cloaca!

Situa-se nas imediações da UTAD. E foi a partir de docentes da universidade que um movimento de cidadãos, conscientes do valor simbólico do imóvel, lançou, há um ano, uma petição pública dirigida às instâncias governamentais e municipais a propor a sua classificação como imóvel de interesse público. O objetivo era travar a onda de vandalismo, bem como a sua presumida demolição a favor de uma superfície comercial, permitindo que Vila Real assegure a homenagem devida a Nadir Afonso, conservando o imóvel “como exemplo, não só, do génio de um grande artista e de um tipo de arquitetura de época, mas também como visão do espaço de trabalho de uma profissão [a panificação] que vai desaparecendo”. A própria Ordem dos Arquitetos e já antes Siza Vieira igualmente se manifestaram pela sua salvaguarda, reconhecendo-o como património com interesse arquitetónico que marca uma época.

O Ministério da Cultura, através da DGPC, acolheu a petição, e, há um ano, abriu o procedimento de classificação, para impedir – dizia –  “danos continuados do imóvel”. Porém, se a intenção era impedi-los, um ano bastou para que a destruição atingisse a vergonha que hoje se vê. Funcionou assim a lógica do facto consumado, tornando cada vez mais difícil justificar a classificação e a salvaguarda. E, na verdade, a resposta do Ministério veio, finalmente, em Diário da República arquivando o processo. Pergunta-se: ouviram quem? Os peticionários? A Ordem dos Arquitectos? Siza Vieira?

A memória de Nadir Afonso não merecia esta humilhação.

in JN, 7-7-2018


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